Não constitui ofensa ao princípio da reserva de jurisdição o uso pelo Ministério Público (MP), sem autorização judicial, de dados bancários legitimamente obtidos pela Receita, para fins de apresentação de denúncia por crime tributário, ao término do processo administrativo. Com esse entendimento, os ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça acolheram recurso do Ministério Público para reconhecer a licitude da prova e determinar novo juízo de admissibilidade de denúncia contra um contribuinte que deixou de declarar renda, o que configuraria, em tese, crime contra a ordem tributária, conforme o artigo 1º da Lei 8.137/90.

As informações foram divulgadas no site do STJ. Segundo o ministro relator para o acórdão, Felix Fischer, o envio de informações sigilosas da Receita para o Ministério Público “não representa ofensa ao princípio da reserva de jurisdição, já que decorre da mera obrigação legal de comunicar às autoridades competentes a ocorrência de possível ilicitude”.

A reserva de jurisdição significa que os membros do Poder Judiciário têm exclusividade para a prática de determinados atos, o que limita a atividade de outros órgãos com poderes de investigação.

“Em síntese, não constitui ofensa ao princípio da reserva de jurisdição o uso pelo Ministério Público, para fins penais, sem autorização judicial, de dados bancários legitimamente obtidos pela Receita Federal (LC 105/2001, artigo 6º) e compartilhados no cumprimento de seu dever legal, por ocasião do esgotamento da via administrativa fiscalizatória e constatação de possível prática de crime tributário”, resumiu Fischer.

O ministro explicou que o caso analisado se enquadra exatamente nesta exceção, já que a denúncia se amparou nos elementos de prova remetidos pela Receita ao Ministério Público quando do encerramento de um processo administrativo fiscal que colheu, entre outras provas, dados bancários.

Felix Fischer destacou que, recentemente, o Supremo também teve a oportunidade de se manifestar sobre o tópico e concluiu pela legitimidade da prova material obtida no procedimento tributário, sendo lícito o compartilhamento com o Ministério Público para fins de persecução penal, independentemente de autorização judicial.

O relator lembrou que constitui obrigação dos órgãos de fiscalização tributária, após o final do procedimento administrativo, comunicar ao MP a eventual prática de crime. “Desse modo, a ação penal fundada em tais elementos não pode ser tomada como ofensiva à reserva de jurisdição, pois amparada em exceção categórica da legislação”, disse ele.

Fischer afirmou que, se os meios de obtenção da prova material são legítimos, mostra-se igualmente lícita sua utilização para fins de persecução criminal. O caso analisado, segundo o ministro, é diferente da quebra de sigilo bancário para fins penais, procedimento que exige autorização judicial específica.

Na mesma sessão, a Quinta Turma aplicou o mesmo entendimento para não conhecer do Habeas Corpus 464.896. Neste HC, o ministro relator, Reynaldo Soares da Fonseca, destacou julgamento do Supremo, com repercussão geral, segundo o qual o artigo 6.º da LC 105/2001 não ofende o direito ao sigilo bancário.

O ministro concluiu que não há qualquer irregularidade na representação fiscal para fins penais, procedimento utilizado para subsidiar a denúncia apresentada.