O Supremo retomou na manhã desta quarta-feira (22) o julgamento sobre as responsabilidades do poder público na distribuição de medicamentos de alto custo a pessoas com doenças raras. A discussão gira em torno do fornecimento de remédios que não tenham registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ou não estejam disponíveis na lista do Sistema Único de Saúde (SUS).

De acordo com o Ministério da Saúde, os dez medicamentos mais caros para tratamento de doenças raras representaram 87% do total de R$ 1,4 bilhão gasto com a “judicialização da Saúde” em 2018. Para atender a 1.596 pacientes, o governo desembolsou R$ 1,2 bilhão (um custo médio de R$ 759 mil por paciente) no ano passado, segundo a pasta.

Ao menos três mil brasileiros hoje conseguiram garantir tratamentos de custo elevado graças a liminares obtidas na Justiça e podem ser atingidos pela decisão da Suprema Corte, segundo o empresário Antoine Daher, presidente da Federação Brasileira de Associações de Doenças Raras (Febrararas).

O assunto levou um grupo de 11 governadores a se reunir no último dia 9 com o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, para alertar dos impactos das decisões judiciais nos cofres estaduais.

“Aquela pessoa que não escolheu ser doente, não fez nada, nasceu com a doença genética, como podemos julgar e dizer que como a droga dela custa bem mais caro, então ‘vou tirar esse dinheiro e dar para mais pessoas’? Você tá dando sentença de morte naquele paciente”, disse Daher, cujo filho de 10 anos sofre de Síndrome de Hunter, doença causada pela ausência da enzima iduronato-2-sulfatase (I2S). Na noite da última terça-feira (21), pais e familiares de pessoas com doenças raras começaram uma vigília no prédio do STF.

Julgamento

A discussão começou no Supremo em setembro de 2016, quando o ministro Teori Zavascki pediu vista (mais tempo para análise). Teori morreu em acidente aéreo e sua cadeira foi ocupada pelo ministro Alexandre de Moraes, que “herdou” a vista e lerá o voto que marcará a retomada do julgamento nesta quarta-feira.

Os três ministros que já se manifestaram – Marco Aurélio Mello (relator), Edson Fachin e Luís Roberto Barroso – impuseram condições para o fornecimento da medicação de alto custo à população.

Para Marco Aurélio, o fornecimento de remédio não registrado “depende da demonstração da imprescindibilidade, da impossibilidade de substituição do fármaco e da incapacidade financeira do enfermo e da falta de espontaneidade dos membros da família solidária em custeá-lo”.

O julgamento no Supremo está sendo acompanhado pela advogada Rosangela Wolff Moro, mulher do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. Ela representa a associação de pacientes Casa Hunter, que ingressou em uma das ações na condição de “amigo da Corte” (uma espécie de assistente, que não é parte do processo, mas atua como terceiro interessado na causa).

“Não se trata de dar tudo para todos porque nenhum sistema de saúde é assim. A efetivação da saúde tem custo. Mas esse custo precisa constar do orçamento para que a maior gama dessas pessoas possam ser abrangidas. Ou seja, o orçamento tem que tentar atender às demandas e não o contrário”, disse Rosangela à reportagem.

Para o advogado Marcos Patullo, especialista em direito à saúde, a questão é difícil, já que muitos portadores de doenças raras podem ficar sem opção terapêutica se o STF limitar o acesso dos pacientes do SUS somente aos medicamentos registrados na Anvisa. “O ideal seria que o tribunal estabeleça critérios para acesso aos medicamentos sem registro, como por exemplo, colocar como exceção os casos em que não há droga registrada para determinada doença ou se a droga que está registrada não surtiu efeito para o tratamento daquele paciente”, afirmou Patullo.