Em meio ao tiroteio político e econômico causado pela pandemia do novo coronavírus no País, o presidente Jair Bolsonaro poderá enfrentar, nas próximas semanas, mais um problema de dimensões colossais. O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), pressionou a Procuradoria-Geral da República (PGR) a analisar a notícia-crime feita pelo deputado federal mineiro Reginaldo Lopes (PT), em decorrência do “histórico das reiteradas e irresponsáveis declarações” feitas por Bolsonaro, ignorando a gravidade da Covid-19. O episódio coloca, mais uma vez, o STF e o Poder Executivo em uma queda-de-braço. Se aceito, o processo pode resultar em afastamento de Bolsonaro por até 180 dias. “O crime imputado ao presidente é classificado como delito formal e de perigo abstrato, sendo desnecessário para sua configuração a efetiva comprovação introdução ou propagação de doença contagiosa, bastando a assunção do risco e o efetivo descumprimento da medida sanitária preventiva”, afirma o deputado na petição.

Para o ministro do STF, independentemente do clima econômico e social, o Judiciário deve responder às demandas da sociedade em sintonia com as leis e a Constituição. “O momento atual é de temperança. A pandemia no País já está altamente judicializada, sobrecarregando o STF. Mas apelo aos partidos políticos e às entidades de trabalhadores que tenham mais cautela”, disse o ministro a jornalistas, em Brasília. Mesmo que, na prática, o processo não avance na PGR, a ação é mais uma fonte de desgaste à imagem de um governo já enfraquecido.

CONTRA O ISOLAMENTO: Jair Bolsonaro faz self com apoiadores e incita a desobediência à quarentena. (Crédito:Pedro Ladeira )

Para especialistas, trata-se de mais um elemento de incerteza política em pleno olho do furacão da pandemia. “Juridicamente, o afastamento não representa o impeachment do presidente, mas revelaria uma corrosão da capacidade de Bolsonaro em articular sua relação com os outros Poderes e de sustentar suas posições controversas por muito tempo”, diz o jurista Enéas Fonseca Filho, advogado constitucionalista e professor de Direito Penal na Universidade do Oeste Paulista.

As acusações não são triviais. Na petição, o deputado federal atribui ao presidente a prática do crime previsto no artigo 268 do Código Penal: infringir determinação do Poder Público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa. O parlamentar lista uma série de declarações do presidente que teriam incentivado a população a descumprir medidas de isolamento recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) durante a pandemia do novo coronavírus. Entre as mais graves, ter cumprimentado cidadãos na Praça dos Três Poderes em 15 de março e ter utilizado os termos “histeria”, “uma simples gripezinha” e “resfriadinho” para referir-se à pandemia. Os atos do presidente, segundo o deputado, contrariam a Portaria 359 do Ministério da Saúde e a Lei 13.979/2020, sancionada pelo próprio presidente da República para combater o coronavírus.

“O afastamento não representa o impeachment do presidente, mas revelaria uma corrosão da capacidade de Bolsonaro em articular sua relação com os outros Poderes e de sustentar suas posições” Enéas Fonseca Filho, jurista.

Ao pedir que a PGR seja intimada para promover a denúncia contra o presidente, o deputado afirma que o órgão acusador não tem a faculdade de propor ação penal, mas a obrigação de fazê-lo. Depois de passar pela PGR, a notícia-crime deve ir à Câmara dos Deputados, onde deve ser votada para autorizar ou não o seguimento da ação penal. São necessários os votos de dois terços dos deputados (342) para que seja aprovada pelo Plenário a autorização de abertura de processo contra o presidente da República por crime comum. Sem isso, o caso é arquivado na Câmara dos Deputados e o processo na Justiça fica suspenso até o término do mandato presidencial. Com 342 votos ou mais, a autorização aprovada pela Câmara segue para a análise do plenário do Supremo Tribunal Federal, onde os ministros decidem se abrem ou não processo criminal contra o presidente do País.

O que joga a favor de Bolsonaro é o turbulento momento econômico e político. Até protagonistas da oposição se mostraram contrários a um eventual afastamento do presidente neste momento. A avaliação é de que o Brasil já enfrenta problemas demais para criar novas fontes de crise. “Agora, não haveria nada pior do que um agravamento do ambiente político, com disputas entre os Poderes”, diz o cientista político Rafael Schoenberger, da PUC do Rio Grande do Sul. “Qualquer embate, para o bem da nação, deveria ter uma trégua de uns 90 dias. Os esforços precisam se concentrar no combate à pandemia.”