Passado o período mais crítico da pandemia, as montadoras de automóveis buscam retornar às atividades normais, apesar do risco de novas paralisações devido à escassez de componentes. A falta de semicondutores, principalmente, deve levar a indústria mundial à perda de 10 milhões de veículos em 2021, 300 mil deles no Brasil. O momento delicado, no entanto, parece estar se afastando. Pelo menos na Stellantis.

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O quarto maior grupo global, formado em janeiro com a fusão da ítalo-americana FCA (Fiat Chrysler) e da francesa PSA (Peugeot e Citroën), lutou contra a conjuntura desfavorável com 15 lançamentos em 2021. Com isso, assumiu a liderança do mercado nacional com a bandeira Fiat, o que não acontecia desde 2014. O momento foi destado à DINHEIRO por Antonio Filosa, presidente da companhia na América do Sul. “Somos líderes no Brasil, na Argentina e na América do Sul e, para crescer mais, é preciso investir mais”, disse o executivo, ao antecipar que vai trazer novos modelos importados eletrificados.

O crescimento da Stellantis não ficou restrito à Fiat, que até o fim de novembro abocanhou 22,21% do mercado brasileiro. Marcas como a americana Jeep e as francesas Peugeot e Citroën também registraram aumento nas participações na comparação com 2020. As quatro principais bandeiras da organização — que tem outras dez — representam mais de 30% dos emplacamentos no País.

A Peugeot registrou crescimento de 133,5% na venda de veículos entre janeiro e novembro, para 26.043 unidades, contra 2020. O modelo mais emplacado foi o 208, com 14.529 exemplares. Já a Citroën chegou a 20.262 unidades comercializadas até o mês passado, volume 65% maior do que o apurado em igual período no ano passado. O carro mais procurado foi o C4 Cactus, com 16.831 pedidos.

A alta nas vendas gera expectativa de melhora nos resultados financeiros globais. No ano passado, a FCA e a PSA apresentaram receita combinada de 134 bilhões de euros, queda de 25% em relação ao período anterior, após serem fortemente impactadas pela pandemia. Já em 2021 o grupo alcançou até setembro a receita líquida de 107 bilhões de euros. No último trimestre, a América do Sul foi responsável por 2,5 bilhões de euros em negócios, crescimento de 43% sobre igual época de 2020.
A manutenção da fase ascendente e da liderança passa por investimentos. Até 2025, a Stellantis pretende dar prosseguimento a um aporte de R$ 16 bilhões no País, iniciado pela FCA em 2019. Quase 50% deste valor, mais precisamente R$ 7,5 bilhões, serão utilizados na ampliação do número de fornecedores para a fábrica de Goiana (PE), onde são produzidos os modelos da marca Jeep. O montante será usado também no desenvolvimento de produtos, além de possíveis modernizações e ampliações das plantas pelo País.

E-COMPANY A corporação passa por uma transformação significativa, de uma empresa centrada em produtos para uma era em que o braço de serviços terá igual ou maior importância. Globalmente, a Stellantis anunciou há duas semanas investimento de 30 bilhões de euros em software e em eletrificação a ser realizado até 2025. A meta principal é de, até 2030, gerar 20 bilhões de euros em receitas de produtos habilitados para software e assinaturas. A empresa mira também aumentar o número de veículos monetizáveis. Atualmente, são 12 milhões, número que deve chegar a 34 milhões até o final da década. “Queremos transformar em todas as regiões a Stellantis de uma empresa automotiva para uma e-company”, disse Filosa. “Uma companhia que não perde o lado automotivo, mas que explora essa característica para oferecer tecnologias e possibilidade de conectividade.”

Os projetos envolvem também a eletrificação dos modelos. Como 2035 é o prazo para o fim da produção de carros movidos à combustão na Europa, o Brasil pode ganhar papel de destaque. São duas saídas. Ou se tornar país-pária, focado na produção de veículos ultrapassados, ou buscar alternativas. O motor híbrido a etanol é visto pelo executivo italiano como possível solução até o País aderir definitivamente ao eletrificado — o que não parece nem perto de acontecer. A Toyota já produz dois veículos híbridos movidos a etanol. E a Volkswagen projeta instalar no Brasil um centro de desenvolvimento do produto. Ao mesmo tempo, outras companhias, como a Volvo, defendem a utilização de propulsores 100% elétricos. Talvez por saber que no Brasil o que deve ser transição torna-se regra.

Enquanto os próximos passos da Stellantis em relação ao tema são definidos, o italiano programa estratégias para a manutenção da liderança no Brasil em 2022. Entre as novidades estão o lançamento de outro SUV da Fiat (o Proggeto 373), após o sucesso de vendas do Pulse (3.286 emplacamentos desde outubro), primeiro na história da marca. Haverá ainda novas versões do Peugeot 208, do Fiat Argo (automóvel mais vendido até novembro no Brasil: 80.135 unidades) e da Fiat Strada (o mais comercializado entre os comerciais leves: 100.049). O Jeep Commander, o mais caro do portfólio (R$ 265 mil), também gera expectativas de bons negócios.
Entre setembro e novembro, foram comercializados 1.530 exemplares do modelo, que tem fila de espera, a exemplo do Pulse. Na linha de eletrificados, novos modelos importados serão integrados ao portfólio em 2022, para teste no mercado nacional. Este ano, a Fiat iniciou a importação do Fiat 500, primeiro da bandeira por aqui. Peugeot e Citroën lançaram dois utilitários.

CONFIANÇA Filosa acredita em crescimento de até 12% do mercado brasileiro, com a produção de 2,4 milhões de unidades em 2022. A dúvida segue em relação ao desabastecimento de semicondutores. O problema atinge globalmente quase todas as montadoras e só deve se normalizar a partir de 2023. Ele diz que tem observado sinais de melhora na situação, tanto que dos 1,8 mil colaboradores da Stellantis que estavam em lay-off (suspensão temporária do contrato de trabalho), 900 retornaram às fábricas recentemente. “Mas não tenho condição de prever quando o problema estará solucionado”, afirmou. Na visão dele, a empresa tem que se preparar em relação a produtos e estratégias, para alavancar os negócios nos momentos de melhora.

Nem mesmo as incertezas causadas pela crise econômica, com a desvalorização do real e a alta da inflação parecem tirar o sono do executivo. Apesar de reconhecer que os indicadores econômicos passam por variações que dependem de fatores globais e locais, entre eles a eleição em 2022, Filosa acredita a companhia precisa estar pronta para encarar as situações que vierem. “É um ano que tem esse desafio [da eleição] a mais, mas não podemos falar que 2022 será de um jeito ou de outro por causa disso”, afirmou. “Até porque a cada quatro anos existe esse desafio. Temos de nos preparar para enfrentar o ano como se fosse um qualquer.”