Donos de negócios bem-sucedidos, empresários da chamada velha economia estão cada vez mais próximos do dinâmico mundo das startups. Hoje, nomes como Elie Horn (Cyrela), Horácio Lafer Piva (Klabin) e Guilherme Weege (Malwee) dedicam tempo e dinheiro para encontrar ideias inovadoras e disruptivas que possam melhorar a eficiência de suas empresas e, sobretudo, multiplicar suas fortunas.

Com a queda da taxa de juros ao menor patamar da história (6,5% ao ano), esses empresários têm sido obrigados a buscar alternativas para remunerar o dinheiro que estava aplicado em títulos públicos. Nesse caminho, encontraram nas startups – ou nos fundos de investimentos que aplicam em empresas iniciantes – uma opção interessante para colocar parte, ainda pequena, de seus patrimônios.

A modalidade de investimento caiu nas graças dos executivos depois que os primeiros unicórnios – empresas que batem a marca de US$ 1 bilhão em valor de mercado – começaram a surgir no Brasil, a exemplo de Nubank, Stone, Movile, 99, PagSeguro e Gympass. Até então, quase todo o dinheiro dos fundos que investem em startups no Brasil era captado no exterior. Ao mesmo tempo, famílias brasileiras acabavam buscando no mercado internacional startups e fundos para investirem.

É o caso do empresário Elie Horn, fundador da Cyrela, uma das maiores incorporadoras do Brasil. Ele já doou 60% de sua fortuna para causas sociais e, há dois anos, investe em fundos no exterior. Com patrimônio pessoal estimado em US$ 1 bilhão pela revista Forbes, o executivo decidiu colocar dinheiro nos fundos brasileiros há seis meses. “Quando os juros caem, tudo melhora”, diz, justificando a aplicação no mercado nacional.

Aos 74 anos, o empresário deixa claro que a opção de investimento é uma necessidade nesse ambiente “nervoso e de grandes transformações”. “Se você não entra, fica de fora desse novo mundo. E eu sou curioso, detesto ficar alheio às coisas, gosto de novidades”, afirma o empresário, destacando que a Cyrela também investe em startups ligadas a negócios imobiliários, como a CashMe, de crédito.

“Esses investimentos vão crescer muito nos próximos anos, seja pela queda dos juros ou pelo que o mundo vem oferecendo em projetos instigantes”, afirma o empresário Horácio Lafer Piva, presidente do conselho da Klabin, que acaba de estrear nesse mercado. Em abril, ele e um grupo de executivos investiram US$ 5 milhões na Brain4care, criada pelo físico-químico brasileiro Sergio Mascarenhas. A empresa desenvolveu um dispositivo capaz de medir a pressão intracraniana de forma não invasiva.

“Tenho um foco patrimonial na empresa, de cujo grupo de controle participo, que é a Klabin. Olhava oportunidades sem maior interesse, até que a Brain4care me foi apresentada. Vi que o negócio mostrava um desenvolvimento disruptivo. Parecia um caminho natural”, diz Piva. Ele afirma que tem interesse nas áreas de educação, saúde, infraestrutura e agronegócio, mas desde que o componente social, de inovação e de tecnologia estejam presentes.

Gestoras

De olho nesse mercado, as famílias Sirotsky, da RBS, e Szajman, do Grupo VR, criaram uma gestora para investir em startups. Pedro Sirotsky Melzer, cofundador e presidente da e.bricks Ventures, já havia tido experiência com esse mercado de fundos de venture capital nos Estados Unidos e tinha vontade de adotar o modelo no Brasil.

O primeiro fundo, de R$ 100 milhões, foi captado em 2013, com as duas famílias e vários executivos brasileiros. Nessa primeira empreitada a gestora investiu em 16 empresas. O segundo fundo, de R$ 200 milhões, veio num momento em que as startups começavam a decolar – 13 empresas já foram escolhidas. “Houve um somatório de coisas ocorrendo: a taxa de juros caiu, a qualidade dos empreendedores aumentou e o fluxo de capital para esses ativos cresceu mais de dez vezes nos últimos oito anos”, diz Melzer.

Mesma estratégia foi adotada pela família Bueno, ex-dona da Amil. Pedro Bueno, presidente da rede de laboratórios Dasa, criou a DNA Capital, que investe em empresas mais maduras e em estágio inicial, na área de saúde. O primeiro investidor foi o pai, Edson Bueno, que morreu em 2017 e deixou uma fortuna de cerca de R$ 8 bilhões. Até agora, seis startups receberam dinheiro do fundo.

‘A vontade é dizer sim para várias iniciativas’

Quando assumiu os negócios da família, em 2007, Guilherme Weege tinha 27 anos e três objetivos na cabeça: expandir a empresa, diversificar os negócios e sofisticar os investimentos. Doze anos depois e com o grupo Malwee – tradicional indústria de vestuário – prestes a comemorar 50 anos, ele continua ávido por novidades e por novos projetos, seja para melhorar o desempenho da companhia – criada pelo avô em Jaraguá do Sul (SC) – ou para manter a fortuna da família.

Nesse tempo, ele vendeu fatia de 50% na cervejaria Eisenbahn e criou uma empresa de geração de energia eólica que foi incorporada pelo grupo CPFL. Weege se tornou acionista da empresa, vendida em 2018 para a State Grid, numa das maiores transações do País. Capitalizado, o empresário saiu em busca de novas alternativas de investimento. Parte dos recursos – hoje gerido por um family office (estrutura que dá assessoria para famílias com alto patrimônio) – foi então destinada às startups.

Weege investiu no novo fundo de venture capital da RedPoint, de Anderson Thees, Manoel Lemos e Romero Rodrigues, fundador do Buscapé. Ele afirma ter aplicado cerca de 10% do valor captado pelo RedPoint no mercado. Os valores não são divulgados, mas calcula-se que o fundo captou mais de US$ 200 milhões. Além disso, aplicou diretamente em seis startups.

Entre as empresas que ele investiu estão a Ribon, plataforma que centraliza doações; a Infracommerce, startup de soluções para comércio eletrônico que tem 750 funcionários e é vista como um futuro unicórnio; e a Vuxx, rede de motoristas de carga em áreas urbanas. “Como executivo, a vontade é dizer sim para várias iniciativas. Mas, como investidor, é preciso avaliar melhor o modelo de negócio.”

Recursos ‘Made in Brazil’

Especializados em garimpar ideias que podem virar negócios bilionários, os fundos de venture capital sempre buscaram recursos no exterior para investir nas startups brasileiras. Mas esse movimento começa a mudar. Com a queda da taxa de juros, famílias endinheiradas têm buscado novas alternativas para remunerar suas fortunas e os fundos estão nesse caminho.

Embora algumas invistam diretamente nas empresas, a maioria prefere entrar num fundo e diluir os riscos. Com maior apetite ao risco, esses fundos investem quantias entre R$ 100 mil e R$ 300 milhões em várias empresas ao mesmo tempo. Eles sabem que a maior parte delas vai ficar pelo meio do caminho, mas aquelas que “vingarem” vão compensar os fracassos. A venda da 99 para a chinesa Didi, por exemplo, rendeu a investidores retorno 60 vezes o montante aplicado. O valor do negócio foi de quase US$ 1 bilhão.

“O que tem ocorrido nesse mercado é como jogar na Mega Sena quando o valor está alto. Quanto mais unicórnios aparecem, mais os investidores se interessam”, afirma o sócio e chefe do XP Private, Beny Podlubny. Mas, segundo ele, apesar da euforia, esse é um mercado que veio para ficar e tem muito para crescer no Brasil.

Pedro Englert, presidente da StartSe, plataforma de apoio às startups, tem a mesma percepção. Desde o ano passado, diz ele, começou a entrar dinheiro pesado dos family office. “Eles estão vendo um mercado mais consistente e maduro.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.