Um monstro aterroriza a economia brasileira, deixando-a paralisada. Trata-se do spread, palavrão inglês que define a diferença entre o custo da captação do dinheiro pelos bancos e a taxa que é efetivamente cobrada de quem toma o crédito. O Brasil tem o maior spread bancário do mundo. Com isso, as taxas cobradas nos empréstimos são altas, o volume de crédito é baixo, o consumo não deslancha e a economia do País patina, sem sair do lugar. Segundo o Banco Central, o spread médio cobrado no ano passado foi de 31,9 pontos percentuais. Na Rússia, a taxa é de 9,1 pontos percentuais. Nos Estados Unidos, de 3 pontos. Na China, a bola da vez dos investimentos mundiais, não chega a 3 pontos. ?O spread é o Judas da economia. Todo mundo tem de malhar?, compara Julio César de Almeida, diretor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. ?Nossa taxa não tem nenhum paralelo no mundo e supera até países em crise, o que mostra um claro desequilíbrio.?

Qual o motivo dessa distorção? Durante anos, os banqueiros argumentaram que o spread era alto porque os juros também eram altos. Entretanto, um estudo da consultoria Global Invest revela que, de outubro de 2002 a fevereiro deste ano, a taxa básica de juros (a Selic) caiu 1,5 ponto percentual. No mesmo período, porém, o spread cobrado das pessoas físicas aumentou 0,2 ponto percentual. ?Toda vez que o BC reduz a Selic, o spread cai pouco. Mas quando a Selic sobe, o spread sobe mais ainda?, diz o economista Alexsandro Barbosa, da Global Invest. Atualmente, na visão dos bancos, o grande vilão dos altos spreads praticados no País atende pelo nome de depósito compulsório, que obriga as instituições financeiras a recolher um percentual dos depósitos à vista ao BC. A alíquota do compulsório, que já chegou a 100% em 1994, hoje é de 45% dos depósitos à vista. ?O compulsório é um imposto escondido?, defende Roberto Troster, economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos. Segundo ele, os bancos só podem emprestar R$ 91 de cada R$ 100 captados, mas devem embutir os custos sobre o volume total, que é remunerado pela Selic. ?A voracidade do governo encarece os empréstimos?, argumenta Troster. ?O compulsório zero é a solução.?

Nada garante, porém, que essa medida seja realmente eficaz para baratear o custo do dinheiro. Com mais recursos em caixa, os bancos poderiam escolher entre aumentar sua carteira de crédito, correndo um certo risco de inadimplência, ou concentrar ainda mais suas aplicações em títulos públicos, que são seguros e têm uma boa remuneração. Caso escolhessem a segunda opção, continuariam a registrar altos lucros, mesmo para padrões internacionais. De acordo com a consultoria Economática, dos dez maiores lucros registrados no ano passado por companhias abertas da América Latina, três eram de bancos brasileiros ? Itaú, Banco do Brasil e Bradesco. Já o consumidor não teria a quem recorrer para conseguir crédito barato, pois o mercado bancário está cada vez mais concentrado. Em 1964 havia 336 bancos em operação no País. Hoje são 164. ?No Brasil não existe grande concorrência na oferta de crédito?, diz o economista Luiz Guilherme Piva, diretor da Trevisan Consultoria. No Brasil, o volume de crédito em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) é de 24%, contra, por exemplo, 164% na Alemanha e 134% na Espanha. Coordenador de um estudo sobre o tema quando era diretor do Banco Central, Luiz Fernando Figueiredo, hoje sócio da Gávea Investimentos, argumenta que o spread só cairá depois de uma série de reformas, que incluem a nova Lei de Falências, o fim da Lei da Usura (que impede que os bancos cobrem juros sobre juros) e o cadastro de bons pagadores. ?Onde tem garantia, o crédito é barato?. Enquanto isso não acontece, o monstro do spread continuará assombrando os brasileiros.