Os cubanos exilados em Miami já tentaram invadir Cuba, com o apoio dos americanos. Foram derrotados em 72 horas, em um episódio histórico conhecido como a Invasão da Baía dos Porcos. Em 1996, quase 40 anos depois, os brasileiros da Souza Cruz também resolveram invadir o mercado cubano ? e, sinal dos tempos, foram bem recebidos. Os objetivos, é verdade, foram bem diferentes. Os brasileiros trouxeram tecnologia, empregaram cubanos e geraram lucros que são divididos com o governo e os trabalhadores. Agora, quatro anos depois, a Brascuba, a sociedade da Souza Cruz com o governo cubano, parte para outra etapa do projeto: quer transformar a Ilha em uma base para a conquista do mercado mundial de fumo negro, estimado em US$ 6 bilhões anuais. Trata-se de uma decisão estratégica. A British American Tobacco, BAT, corria à margem do setor ? uma falha para quem briga com a Philip Morris pela liderança mundial na venda de cigarro.

O mais recente lance nessa investida foi o lançamento do cigarro Romeo y Julieta. O produto já é exportado para mais de 10 países. Em 2001, os dois mais importantes mercados para fumo negro no planeta, o francês e o espanhol, também serão atacados. ?Queremos caracterizar o Romeo y Julieta como o melhor cigarro negro do mundo?, diz Flávio de Andrade, presidente da Souza Cruz. Para isso, a Brascuba pegará carona no prestígio do charuto da mesma marca, considerado por especialistas como um dos cinco melhores do mercado. Era também o predileto do ex-primeiro-ministro inglês Winston Churchill, que, diversas vezes, se deixou fotografar com um deles entre os dentes. A jogada será repetida em breve com o lançamento do Cohiba, outra famosíssima marca de charuto que será transportada para o universo dos cigarros.

Cuba reunia as condições ideais para os planos da BAT. Em seus campos, cultiva-se o melhor fumo negro do mundo, matéria-prima para os famosos charutos, ou puros, como preferem os cubanos. Marcas já consagradas, como Romeo y Julieta e Cohiba, poderiam poupar um bocado de trabalho na área de marketing ao serem transportadas para os maços de cigarros. Mais: além de barata e abundante, a mão-de-obra local tinha experiência no processamento de fumo. ?Fomos o primeiro fabricante internacional a desembarcar aqui, o que nos dá uma vantagem sobre a concorrência?, diz Fernando Teixeira, presidente da Brascuba.

Por isso, o QG da BAT enviou a missão para sua filial brasileira, a Souza Cruz. Foi necessário um ano de negociações com o governo cubano, antes da assinatura do contrato. O acerto inicial permitia a atuação apenas no chamado mercado de divisas, aquele onde a moeda é o dólar. A empresa não poderia vender seus produtos em pesos. Por isso, a Brascuba possui apenas 10% do mercado local em volume de cigarros. Mas, em dinheiro, a participação chega a 25%.

O acordo incluía a compra de uma antiga fábrica de cigarros à beira da falência. A sede da empresa, um belo edifício colonial, foi inteiramente reformado. Os executivos da Souza Cruz não alteraram a fachada e os detalhes da decoração. Foram preservadas, por exemplo, as cantoneiras de ferro para proteger as quinas das paredes das rodas das carroças utilizadas no passado. Na fábrica, porém, não sobrou uma única máquina para contar a história. As linhas de produção foram modernizadas com a importação de equipamentos do Brasil. Não são exatamente o estado da arte, mas garantem uma produtividade próxima aos índices mundiais do grupo BAT. Este ano, cada trabalhador produzirá, em média, 10.500 cigarros por dia. Em 2001, esse número saltará para 11.500. ?Estamos acima da média, se considerarmos o padrão tecnológico desta unidade?, diz o brasileiro Mário Alves, diretor de operação. O que faz a diferença, segundo Teixeira, é o padrão da mão-de-obra cubana. ?Ficamos surpreendidos com a capacidade e a formação do pessoal?, diz ele. Metade dos 270 funcionários da Brascuba tem curso universitário. Do total, 60% são polivalentes, ou seja, estão preparados para desempenhar duas ou mais funções na fábrica. A idade média baixa, pouco acima dos 30 anos, ajudou na assimilação da nova forma de trabalhar, importada das unidades brasileiras da Souza Cruz. ?Agora estamos organizados em células de trabalho, o que é uma novidade no País?, afirma Teixeira. ?Investimos em treinamento para prepará-los para essa organização.?

O principal fator de motivação para os funcionários é o programa de participação nos resultados. Todos os meses, 5% do lucro líquido é distribuído entre os trabalhadores. Para embolsar o prêmio, é necessário atingir metas pré-estabelecidas, geralmente ligadas ao nível de produção, à segurança no trabalho e à assiduidade. Caso o objetivo de lucro não seja conquistado, ninguém leva nada. Na prática, isso é uma tragédia, já que a participação dobra a retirada mensal dos funcionários. Os salários hoje na Brascuba variam de US$ 20 a US$ 25 por mês, valor pouco acima da média paga no País.

Os resultados até agora são considerados surpreendentes pelos executivos da Souza Cruz. Desde que abriu seus portões, a Brascuba lançou seis marcas de cigarros. Montou uma estrutura de distribuição para 3.800 pontos de venda. Em 2000, o faturamento deverá chegar a US$ 15 milhões, contra US$ 5,8 milhões em 1997. O lucro operacional baterá em US$ 5 milhões. ?Os resultados estão acima de nossas previsões mais otimistas?, diz Andrade.

O bom desempenho é fruto também de um trabalho cuidadoso para conquistar corações e mentes dos cubanos. Exemplo: não há regra que determine o número de trabalhadores cubanos nas empresas. Mas no quadro de funcionários da Brascuba há apenas três brasileiros. O restante é mão-de-obra local. O governo de Fidel adorou. Para seu primeiro lançamento no país, o cigarro Popular, a Brascuba criou o slogan ?Soy Cubano, soy Popular?, que mexe com o forte sentimento de orgulho da população em relação à Ilha. Para comemorar a chegada do Romeo y Julieta no mercado, a empresa lançou um livro com poemas de autores cubanos, ilustrados com fotos de Alberto Korda, um ícone da cultura do País. ?Brascuba trouxe para Cuba um conhecimento na área de negócios que não tínhamos?, diz Adolfo Diaz, o representante do governo cubano na empresa. Aos 60 anos, Diaz é um revolucionário de primeira hora. Armas nas mãos, estava sob o comando de Fidel quando entrou em Cuba no Ano Novo de 1959. Anos depois, estava na Baía dos Porcos ajudando a rechaçar a invasão patrocinada pelos americanos. Hoje, sinal dos tempos, está aliado aos invasores brasileiros do mercado de cigarro.

?EUA AINDA PRESSIONAM?

 

Em meados de novembro, o presidente mundial da British American Tobacco, Martin Broughton, visitou Cuba pela primeira vez. Na ocasião, falou com exclusividade à DINHEIRO. A seguir, alguns trechos da conversa:

DINHEIRO ? A indústria de cigarros tem futuro?
Broughton ?
O número de fumantes está diminuindo, mas está diminuindo gradativamente, e isso se deve principalmente às enormes pressões que existem. Mas há muitas dúvidas científicas sobre os danos do fumo à saúde.

DINHEIRO ? Se o fumo não faz mal, por que as empresas aceitaram pagar indenizações?
Broughton ?
Há um grande mal-entendido. A questão do cigarro apareceu de repente nos Estados Unidos, com todos os advogados americanos vendo isso como uma oportunidade de negócio. A indústria teve que optar entre aceitar o fato, ou brigar e tentar enfrentar a avalanche de casos que apareceram. A empresa poderia ganhar, ou não. Podia haver apelações e coisas do gênero. Todo este processo legal demanda muito gasto e muita energia.

DINHEIRO ? As pressões sobre o fumo tendem a diminuir?
Broughton ?
Espero que sim. Acho que os países da América Latina têm assuntos relacionados à saúde mais sérios com que se preocupar, como malária, cólera, mortalidade infantil, Aids. Mas esses países estão sendo pressionados financeiramente pelos Estados Unidos. Eles ditam a agenda na área de saúde. Isso não parece sério. Não é prioritário. Os EUA não deixam a pressão diminuir.

DINHEIRO ? O sr. teme reações dos EUA devido aos investimentos em Cuba?
Broughton ?
Para nós é irrelevante. Somos uma empresa britânica. Os Estados Unidos são irrelevantes nesse ponto. Este investimento é estratégico para nós.