Um dos temas mais importantes quando se aborda a questão da formação de líderes no mundo corporativo é o da tomada de decisões. Quais os elementos fundamentais e decisivos que operam neste delicado e imprescindível processo? Quanto de razão, de feeling, de intuição conta nesta experiência? Existe uma fórmula para definir o peso e o impacto de cada uma dessas instâncias no processo decisório? Ainda que não faltem teorias científicas, baseadas em elucubrações técnicas e estatísticas, para receitar as supostas proporções quantitativas de razão e sensibilidade na tomada de decisões, a experiência cotidiana acaba demonstrando que tal “mistério” está sempre distante de ser desvendado. E aqui, como em todas as outras grandes questões e dilemas da existência humana, o apelo às humanidades – e especialmente à literatura – se mostra significativamente procedente e útil.

Desde quando comecei, há quase uma década, a aplicar o método do Laboratório de Leitura no mundo corporativo, especialmente no contexto de formação de líderes, pude constatar o quanto o recurso a certas obras clássicas pode trazer descobertas e insights extremamente pertinentes em relação a temas sensíveis. E, no tocante à tomada de decisão, ainda não encontrei nenhuma mais adequada e pertinente que a “Tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca”, do insuperável Willian Shakespeare (1564-1616).

A trama de “Hamlet” gira em torno dos dilemas deste jovem príncipe, cuja morte precoce e misteriosa do pai o deixa profundamente deprimido. Indicando que algo de podre estava acontecendo no reino da Dinamarca, o fantasma do rei começa a assombrar seus súditos e, por fim, revela ao filho que sua morte se deu por força de um vil e covarde assassinato, perpetrado por seu irmão, Claudio, com a cumplicidade de sua própria esposa, Gertrudes, mãe de Hamlet. Transtornado com esta terrível revelação, Hamlet promete ao fantasma do pai não apenas vingá-lo, mas também fazer justiça, livrando o reino de um tirano fratricida e usurpador. O até então ingênuo e melancólico jovem príncipe se vê então diante do seu inexorável destino: “Nosso tempo está desnorteado. Maldita a sina que me fez nascer um dia para consertá-lo!”

O primeiro ato da peça se encerra com um Hamlet indignado e decidido, mas já a partir do segundo ato o encontramos hesitante, questionando se as revelações do fantasma do pai não seriam fruto de um delírio doentio ou de uma armadilha do próprio demônio. Diante disso, Hamlet resolve investigar e coletar provas que evidencie a versão fantasmagórica, antes de agir. Aproveitando a chegada de uma trupe amadora de teatro ao castelo, o príncipe monta uma peça, onde a história narrada pelo pai é encenada diante do rei usurpador e de toda a corte. O resultado comprova a suspeita, e a encenação deixa evidente a culpa do tio, que reage de forma reveladora e denunciadora à pantomima. Munido agora de todas as provas e evidências, assim como de todos os meios e recursos para fazer o que tinha de ser feito, Hamlet, no entanto, vai adiando, procrastinando sua decisão e ação, fabricando novas justificativas, consciente de que “o excesso de razão faz de todos nós covardes”.

Deixando de fazer o que tinha de ser feito no momento oportuno, Hamlet acaba fazendo o que não deve no momento equivocado, evidenciando de forma clara e exemplar que o que nos constitui não são nossos pensamentos e palavras, mas sim nossas ações. “Ser ou não ser: eis a questão”. Contrapondo-se a Descartes, que postula que existimos porque pensamos, Shakespeare nos ensina que somos aquilo que decidimos e fazemos.