Indicada para comandar a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a principal da Câmara, a deputada Bia Kicis (PSL-DF) pretende colocar em votação um projeto para acabar com o que ela chama de “ativismo judicial”. Ela é alvo de um inquérito no Supremo Tribunal Federal sob suspeita de organizar atos antidemocráticos (mais informações nesta página). “Não quero o STF interferindo nas minhas funções de parlamentar”, afirmou Bia ao Estadão/Broadcast.

A parlamentar disse já ter conversado com o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), autor de projeto que inclui na lista dos crimes de responsabilidade a “usurpação de competência do Congresso” por parte de ministros do Supremo. A proposta está parada na CCJ desde 2016. Uma das principais apoiadoras do governo Jair Bolsonaro, a deputada tem a bênção do novo presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), para ser a primeira mulher da história a comandar a CCJ.

O governo passou uma lista de projetos prioritários para o Congresso votar e incluiu medidas da pauta de costumes. A sra. vai dar prioridade a essa agenda?

Claro, porque a pauta de costumes ficou completamente obstruída nos últimos dois anos. É preciso avançar nisso também, buscando equilíbrio. Falei com o deputado Sóstenes sobre uma pauta para combater a usurpação de poder do Legislativo, para podermos usar medidas de freio e contrapeso e não permitir o ativismo judicial avançando nas nossas pautas.

A sra. participou, divulgou e convocou pessoas para participar de protestos onde havia pessoas pedindo o fechamento do STF, a volta da ditadura…

Mas eu nunca carreguei esses cartazes. Vamos ser muito honestas aqui. Tem uma manifestação com 10 mil pessoas de verde e amarelo, bandeira do Brasil, cantando o Hino, apoiando o presidente. Aí, você tem um grupinho de uma ou duas pessoas ali com um cartaz. Qual é a responsabilidade que temos sobre isso?

A sra. é contra o fechamento do Supremo?

Óbvio que sou contra, sou uma jurista. Quero um Supremo que funcione cumprindo seu papel constitucional. Eu sou contra o ativismo judicial do STF. Agora, como parlamentar, não quero o STF interferindo nas minhas funções de parlamentar. É muito diferente. E outra, relatório da PF já disse que não tem nenhum elemento para indiciar a mim ou qualquer outra pessoa no inquérito. Eu não sou investigada em nenhum crime.

E na CPI da Fake News?

Essa CPI das Fake News teria de acabar, ela é uma vergonha.

Acha possível fazer acordo com a oposição para que pautas importantes avancem na CCJ?

Me sinto perfeitamente apta, tanto com capacidade jurídica para isso, como com capacidade política. Existe muita narrativa que não se sustenta. Quem conhece meu trabalho sabe que eu sou uma pessoa de diálogo, de negociar.

Como as bandeiras de Bolsonaro devem avançar agora nesse novo Congresso?

Falei com (Arthur) Lira e ele disse que a intenção é pautar junto com os líderes. Pautas conservadoras andarão.

O que fará se chegar um pedido de impeachment na CCJ?

Isso seria absolutamente enterrado, porque é preciso ter crime do presidente Bolsonaro. Mas acredito que não chega até a CCJ.

Existe a chance de a sra. não ser a presidente da CCJ?

Só se houver uma quebra de acordo, o que vai ser muito ruim para o Congresso. Isso iria desmoralizar uma gestão que chegou com o compromisso de acordo.

PERFIL

O Brasil se aproximava das 20 mil mortes por covid-19, em maio, quando a deputada Bia Kicis surgiu no plenário da Câmara com uma máscara estampando os dizeres “E daí?”. Era uma tentativa de relativizar a declaração do presidente Jair Bolsonaro sobre a doença, feita dias antes, e mais uma amostra de sua fidelidade ao bolsonarismo.

A mudança de comando na Casa, agora nas mãos de Arthur Lira (Progressistas-AL), deve render a Bia a presidência do mais prestigiado colegiado, a Comissão de Constituição e Justiça. Se confirmada como chefe da CCJ, caberá a ela liderar os trabalhos do grupo que tem como atribuição analisar a constitucionalidade de todos os projetos da Câmara.

Bia é investigada no inquérito das fake news que tramita no Supremo Tribunal Federal. Segundo as investigações, ela teria usado a cota parlamentar para custear disparos de mensagens favoráveis ao fechamento do Congresso e do STF.

Aos 59 anos, a deputada é ex-procuradora do Distrito Federal e emergiu na política na esteira dos atos em favor do impeachment de Dilma Rousseff. Com bandeiras conservadoras, ela se aproximou de Bolsonaro em 2014 e se tornou fiel escudeira na campanha de 2018.

Embora dialogue com movimentos de mulheres, ela rechaça o feminismo. Defende ainda o voto impresso e o projeto conhecido como “escola sem partido”. Na pandemia, destacou-se pela postura negacionista e como uma das principais disseminadoras de desinformação sobre o novo coronavírus.

Em uma das publicações de maior repercussão, a parlamentar comemorava o fim do lockdown em Manaus. Pouco depois, a capital amazonense mergulhou em um colapso no sistema de saúde, com pacientes morrendo asfixiados por falta de oxigênio em hospitais. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.