A concessão de aeroportos com o objetivo de melhorar a infraestrutura aérea do País esbarrou em três problemas: algumas das empresas concorrentes não tinham expersite no ramo; outras foram envolvidas nas investigações da Lava Jato; e houve ainda desinteresse dos investidores internacionais em virtude de insegurança jurídica. Tudo isso pode mudar em breve. Depois de ter tirado a Infraero de um prejuízo de R$ 221 milhões e levar a empresa a um lucro operacional de R$ 505 milhões em dois anos, Antônio Claret traça um plano ousado para fazer a estatal decolar de vez: a abertura do capital. A operação pode gerar uma receita de R$ 8 bilhões. Na entrevista a seguir, Claret diz como a Infraero poderá enfim entrar em velocidade de cruzeiro.

DINHEIRO – A Infraero foi durante anos a única empresa a investir no setor de aviação no Brasil. Por que o País só foi se preocupar em diversificar as fontes de investimento em 2012?

ANTÔNIO CLARET – Nós passamos por uma fase áurea no País em 2009/2010, mas, de repente, a nossa economia desacelerou e passamos a ter problemas de déficit público e de investimento. Foi nesse momento que o governo começou a se ver sem infraestrutura para receber os turistas que viriam para a Copa do Mundo de 2014 e para os Jogos Olímpicos de 2016. A expectativa era que, ao iniciar esse processo de privatização, nós teríamos um upgrade na gestão aeroportuária e criaríamos concorrência, o que é muito positivo. A Infraero, até então, dominava o mercado e só ela tinha a chave para a gestão aeroportuária no Brasil. Basicamente, foi por isso que aconteceu. Agora o resultado disso é uma outra coisa….

DINHEIRO – A privatização dos aeroportos é a melhor saída para o setor? Por que ela demorou tanto para ocorrer?

CLARET – Na minha visão, o próprio governo não tinha certeza de qual era o modelo de privatização mais adequado para a situação dos aeroportos. No modelo definido na concessão dos cinco primeiros aeroportos – terminais de Brasília, Guarulhos, Viracopos, Galeão e Confins – , a Infraero entrou com participação de 49%. E isso foi péssimo. Embora não assuma a gestão, a gente assume os prejuízos. Temos apenas cadeira no conselho. No segundo modelo, dos outros quatro aeroportos – Salvador, Fortaleza, Florianópolis e Porto Alegre –, a Infraero já foi deixada de fora, o que foi muito melhor. Agora o governo está discutindo as concessões em lotes com um aeroporto grande carregando outros menores. O governo já tomou várias medidas, mas ainda não chegou ao ideal na perspectiva da Infraero. Na minha visão, o melhor seria privatizar toda a Infraero.

DINHEIRO – E como seria essa privatização?

CLARET – Nós faríamos uma privatização de toda a rede Infraero, ou seja, os 55 aeroportos restantes, por meio da abertura de capital via IPO ou fusão e aquisição (M&A). O que eu defendo é um modelo semelhante ao que foi feito no Aena (Aeropuertos Españoles y Navegación Aérea), empresa pública de gestão aeroportuária da Espanha. O Aena abriu capital de 49% e ficou com 51% na mão. A Espanha passava por um momento ruim naquela época, 2014, e muito parecido ao que nós estávamos passando. A Aena que era pior que a Infraero hoje é referência mundial no setor com alto valor de mercado. Se ela for privatizada hoje em sua totalidade vai trazer uma entrada de capital muito maior do que se tivesse feito tudo de uma vez. Penso que esse é o melhor modelo para seguir.

DINHEIRO – Jair Bolsonaro se elegeu com um discurso pró-privatização. O senhor prevê alguma mudança drástica no setor?

CLARET – Eu não conheço os planos do presidente eleito, mas pelo o que a gente percebe será uma gestão voltada para o resultado. O que, para nós, será excelente. A gente entende isso como uma grande oportunidade para a Infraero e também para todas as outras estatais. A possibilidade de privatização me parece bem clara, mas também me parece bem claro que isso não será feito de forma intempestiva. Minha expectativa é que novos e bons tempos virão.

DINHEIRO – É possível imaginar um programa radical de privatizações?

CLARET – O Brasil não tem outra saída a não ser caminhar para que as estatais se aproximem da iniciativa privada. Com o grande déficit público que temos, a prioridade do governo deve ser nas áreas da saúde, educação e segurança. Um dos grandes problemas do País é o de infraestrutura. E isso só se resolve com muito recurso, o que, na atual conjuntura, só a privatização pode oferecer. Mas é claro que existem algumas estatais que são estratégicas para o País e elas precisam ser verificadas de forma mais cuidadosa. No caso da Infraero, eu entendo que o melhor, no momento, seria uma privatização parcial de 49%. A Infraero é responsável pela integração nacional e, se você privatiza todo o sistema, os aeroportos menores tendem a ser colocados em situação de risco.

“A gente entende que o novo governo será uma grande oportunidade para a Infraero e para todas as outras estatais”O discurso liberal do presidente eleito Jair Bolsonaro aumenta as expectativas de privatização da Infraero (Crédito:Evaristo Sa)

DINHEIRO – Jair Bolsonaro também fala no fim de algumas estatais. A Infraero corre risco?

CLARET – É cedo demais para falar isso, mas não o vejo trabalhando no sentido de acabar com as estatais. Existe a tendência, sim, de aproximar da iniciativa privada. Em alguns casos acredito que veremos privatizações. Mas o importante é que isso seja feito de forma a não abrir mão do valor agregado que elas geram para o País. A Infraero é importante para alavancar o turismo brasileiro. E, para isso, é fundamental que ela não esteja totalmente exposta ao capital estrangeiro. Nós temos que ter uma empresa-espelho. Mas eu só defendo a existência da Infraero como uma empresa top de linha, de alto padrão.

DINHEIRO – O Programa de Demissão Voluntária implementado em 2012 atingiu as metas? Quantos já foram desligados?

CLARET – Nós implementamos várias ações para reduzir o quadro de funcionários, que estava em torno de 14 mil, e isso foi feito por diversos motivos. Um deles foi que, na concessão dos cinco primeiros aeroportos, as empresas não tinham a obrigação de manter os funcionários. E eles vieram para a Infraero. Então implantamos um programa de demissão voluntária em 2012, mas também passamos a transferir esse pessoal para outros órgãos federais. Também diminuímos a ponta da pirâmide, eliminando muitas estruturas de chefia. Somado esse esforço às saídas naturais (aposentadorias), conseguimos chegar a um número de 7.950 funcionários. Só neste ano reduzimos em R$ 200 milhões o nosso custo anual de pessoal.

DINHEIRO – Há necessidade de novas reduções no quadro de funcionários?

CLARET – Sim, temos outras ações em andamento. Uma delas é tirar da nossa empresa a navegação aérea. A navegação aérea é uma que nos principais benchmarks do mundo não faz parte da gestão aeroportuária, mas sim da aeronáutica. Nós já conversamos com a aeronáutica e eles estão de acordo. Agora estamos alinhando com o governo. Isso vai tirar em torno de 1,8 mil pessoas daqui. Significa que a gente vai chegar a um número próximo a 6 mil funcionários. Paralelamente, estamos em um processo de automatização e uso de inteligência artificial na empresa. Nosso objetivo é ficar com um algo em torno de 4 mil funcionários.

DINHEIRO – Muitas das concessões iniciais dos aeroportos tiveram problemas. Como evitar erros daqui para frente?

CLARET – Muitas das empresas não tinham expertise na área de gestão aeroportuária. Isso não significa que elas não poderiam tocar para frente um projeto bom, mas tivemos problemas. Viracopos é um desses casos. A concessionária entrou com pedido de recuperação judicial. A devolução está sendo avaliada pelo governo e pela Anac. Agora os aeroportos estão sendo concedidos para empresas de gestão aeroportuárias internacionais e sem a participação da Infraero. É um modelo bem melhor que os anteriores.

DINHEIRO – E essas concessões onde a Infraero tem participação de 49%? A intenção é a desistência?

CLARET – Eu, se pudesse, desistiria. Mas já fizemos um investimento muito grande. Porque quando a gente olha os números da estatal, vemos um resultado ruim que não tem a ver com a Infraero. Nossa operação é altamente positiva, mas a influência desses aeroportos está destruindo o nosso resultado contábil. Estamos discutindo com o governo como resolver essa herança, mas ainda não temos uma saída muito clara.

DINHEIRO – Algumas empresas desistiram da concessão porque o investimento no aeroporto não valeria o ganho. O Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, em Natal (RN), foi um deles. Como isso tem afetado as negociações para as novas concessões?

CLARET – O que atrapalhava um pouco algumas concessões era que o investidor estrangeiro só queria vir para o Brasil se tivesse alguma segurança jurídica. Eram problemas mais de ordem geral e não dos aeroportos. Pela minha visão isso vai ser resolvido pelo novo governo.

DINHEIRO – A recessão e a operação Lava Jato, que atingiu diversas empresas envolvidas nas concessões, fizeram com que o modelo se tornasse mais rápido e eficaz?

LISBOA – Claro que sim. Mas depois que a questão foi tratada pela Lava Jato não tivemos prejuízos nas concessões e elas foram conduzidas da forma mais adequada possível. Nas novas não temos notícia de problemas e nem de envolvidos na operação. E nas antigas, a Odebrecht, por exemplo, já está fora da gestão do Galeão, no Rio de Janeiro. Existem empresas envolvidas na Lava Jato que a ainda continuam nos aeroportos, mas acredito que logo vão ter que prestar contas para a Justiça.

“O que eu defendo é um modelo semelhante ao que foi feito no Espanha, com uma privatização parcial no primeiro momento”A privatização de 49% da Aena, a empresa pública de gestão aeroportuária espanhola, alavancou seu valor de mercado (Crédito:Miguel Rodriguez)

DINHEIRO – O governo autorizou a concessão de aeroportos estratégicos e lucrativos para a Infraero, como o de Guarulhos, em São Paulo. Isso afetou a rentabilidade da Infraero?

CLARET – Claro que afetou. Com as concessões nós já perdemos 62% (R$ 2,8 bilhões) da nossa receita. E, além de termos perdido receita, ficamos com o custo de pessoal. Era uma operação gigante que só um super-herói podia equacionar. Mas, mesmo assim, conseguimos deixar a empresa em pé e virar o resultado operacional de um prejuízo de R$ 221,7 milhões em 2015 para R$ 505,4 milhões em 2017.

DINHEIRO – Então a empresa é sustentável financeiramente?

CLARET – Sim, atualmente ela é sustentável. Ela não tem dependência do governo. A Infraero já paga os salários com o que produz. A gente ainda depende do governo para fazer investimentos grandes, mas já somos capazes de financiar os pequenos. Com toda a reestruturação (diminuição de pessoal e aumento da área comercial), conseguimos construir um caixa de R$ 850 milhões.

DINHEIRO – O sr. defende a exploração comercial dos aeroportos para incrementar eceitas. Como a estatal tem liderado esse plano para atrair o comercio para os aeroportos?

CLARET – Com essa perda de 62% da nossa receita devido às concessões, a Infraero precisava se reinventar. Além de várias mudanças internas, também implementamos a área comercial. E descobrimos que temos grandes shoppings em nossas mãos. No aeroporto de Congonhas, por exemplo, disponibilizamos cerca de 8 mil metros quadrados ociosos no terminal. Queremos chegar a uma ocupação de áreas comerciais de 6 milhões de m² em toda a rede de aeroporto.

DINHEIRO – Quanto isso incrementa na receita da estatal?

CLARET – Este ano devemos chegar a uma receita de R$ 1,2 bilhão gerada pela área comercial. Nossa meta é alavancar ainda mais esse resultado com novos negócios, como um espaço para coworking e uma Leroy Merlin na parte externa do aeroporto de Congonhas.

DINHEIRO – Como o sr. avalia o desenvolvimento da aviação regional?

CLARET – A aviação regional é uma questão da Secretaria de Aviação Civil. Existiu e ainda existe um movimento no governo para alavancar isso, mas faltou recurso. Mas o governo está levando isso muito a sério. Dentro do processo de integração nacional, esses aeroportos são fundamentais porque fazem os links com os aeroportos maiores. Eu brinco que se eles quiserem resolver a aviação regional é só passar a gestão para a Infraero…

DINHEIRO – A criação da autoridade aeroportuária tem ajudado a resolver os problemas de gestão dos aeroportos?

CLARET – Ela teve um papel importante durante a fase inicial da concessão dos aeroportos porque era responsável por fazer esse link entre as empresas e os órgãos do governo. Hoje isso não é mais necessário.

DINHEIRO – A Infraero superou dois anos de resultados negativos para ser premiada como melhor Empresa Pública da Década. O que permitiu a volta por cima?

CLARET – Primeiro, a governança. Com a governança nós conseguimos desenvolver um plano estratégico adequado. Nesse plano, tomamos medidas de redução de gordura, ou seja, acabamos com todo tipo de exagero na estatal e passamos a trabalhar as reduções sistêmicas do pessoal. Além disso, fizemos um processo de modernização e alavancamos a área comercial. Isso foi fundamental para virar nosso resultado. Nós, inclusive, estamos sendo reconhecidos por esse avanço. Esse prêmio tem a ver com essa percepção da iniciativa privada de que nós fizemos muito em pouco tempo. Com o prêmio somos reconhecidos como a empresa que mais evoluiu em termos de governança entre todas as estatais brasileiras.

DINHEIRO – Acredita que continuará no cargo?

CLARET – Isso é uma decisão do presidente eleito. Se for chamado, vou avaliar. Tenho orgulho do que eu e minha equipe fizemos aqui. Sei que trouxemos resultados.