Um soro para tratamento da covid-19 desenvolvido no Brasil a partir do plasma de cavalos apresentou anticorpos neutralizantes contra o novo coronavírus até 150 vezes mais potentes do que os presentes em ex-pacientes da doença. Obtido a partir da introdução do Sars-CoV-2 (o novo coronavírus) em equinos, o medicamento depende da aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para ser testado em humanos. Se tudo der certo, poderá estar disponível aos pacientes ainda antes do meio deste ano.

“Por melhor que seja, não é milagre”, alerta o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio (Faperj), Jerson Lima Silva, que participou do desenvolvimento do soro. “Mas sabemos que, mesmo com todo o otimismo, só teremos de 60% a 70% da população imunizada no final do ano. O ideal seria que já estivéssemos agora tratando as pessoas com o soro”, diz o pesquisador da Universidade Federal do Rio (UFRJ).

O plasma de pessoas que tiveram covid já é usado no tratamento da doença. É uma forma de oferecer anticorpos extras ao paciente que luta para combater o vírus. O princípio do soro pesquisado é semelhante. A diferença: é produzido em cavalos e, segundo os primeiros resultados, muito mais potente. Os anticorpos obtidos dos animais serão posteriormente purificados para serem injetados em pacientes. Um produto semelhante já é aplicado na Argentina. Sua eficácia é de 30% a 40%.

O soro brasileiro sob teste será injetado, inicialmente, em 41 pacientes. O estudo tem previsão de conclusão de três meses. Nesse período, serão avaliados reações adversas, tempo de internação, curva de redução da infecção pelo Sars-CoV-2, número de pacientes que necessitarão de intubação e mortalidade, entre outros aspectos. A pesquisa já foi aprovada pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisas (Conep).

O trabalho começou em maio do ano passado, quando cinco cavalos do Instituto Vital Brazil (IVB) foram inoculados com uma proteína S (proteína spike) recombinante do coronavírus produzida no Laboratório de Engenharia de Cultivos Celulares da Coppe/UFRJ. Depois de 70 dias, os plasmas dos animais apresentaram os anticorpos muito mais potentes do que os produzidos naturalmente.

“Diante da inexistência de terapias específicas para a doença, os anticorpos de cavalos produzidos pelo IVB são uma grande esperança de tratamento possível e específico para a Covid-19”, afirma a pesquisadora Leda Castilho, coordenadora do laboratório da Coppe.

Segundo Lima Silva, um dos motivos da obtenção da boa resposta imune é justamente o fato de que os cientistas usaram uma proteína recombinante inteira, não apenas fragmentos.

Uma das vantagens desse tratamento é que a soroterapia é usada há décadas contra doenças como raiva e tétano e também para picadas de abelhas, cobras e outros animais peçonhentos, sem registro de reações adversas. Além disso, é possível produzir uma grande quantidade de soro em pouco tempo. Somente no IVB são 300 cavalos, mas outros animais poderiam ser facilmente adquiridos se for necessário.