O fenômeno social de escolha de vacina é prejudicial ao combate contra a Covid-19 pois atrasa a campanha de vacinação. Especialistas em saúde pública são unânimes em criticar a escolha de imunizantes como um hábito de consumo – e ultimamente um termo ganhou as redes sociais justamente por ironizar padrões de comportamento: cringe, que ganhou o significado brasileiro de “vergonha alheia”, vexatório, ultrapassado.

“Quem escolhe vacina ou adia sua vacinação faz a pior escolha. Pode ser a diferença para estar amanhã na UTI. Individualmente é uma péssima escolha; coletivamente é ainda pior. É uma decisão duplamente equivocada a escolha e adiamento da vacinação”, afirma Renato Kfouri, pediatra infectologista e presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, a IstoÉ Dinheiro.

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O sommelier de vacina já gera reações públicas locais. Em Porto Alegre, a quantidade de vacinados diminui até 30% se o imunizante oferecido é o da CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan. A prefeitura de Belo Horizonte, por sua vez, estabelece as marcas das vacina disponíveis de acordo com a faixa etária. Isso anula as opções de escolha e, quem se recusar, não será imunizado.

Grupos em redes sociais reúnem praticantes dessa modalidade arriscada de sobrevivência em uma pandemia para disseminar informações sobre as vacinas desejadas. A Pfizer (que tem a maior eficácia contra a Covid-19 em casos leves) e a Janssen (por ser dose única) são priorizadas em detrimento da CoronaVac (ainda não aceita em diversos países, o que comprometeria uma viagem internacional) e AstraZeneca (chance de 1 em 500 mil de coagulação e desenvolvimento de trombose). Veja aqui as principais características e diferenças das vacinas disponíveis no Brasil.

“As vacinas são diferentes, é esperado que suas tecnologias produzissem produtos diferentes. Mas todas têm em comum que são extremamente seguras, raramente levam a efeitos colaterais importantes e todas são altamente eficazes contra a forma grave da doença. Nenhuma vacina é 100%, mas os benefícios são infinitamente maiores que os riscos de trombose da AstraZeneca”, explica Kfouri.

Por que é cringe escolher vacina?

A principal diferença da Geração Z (veja comparação ao final do texto), nascida no mundo digital a partir dos anos 2000, é o consumo de conteúdo na internet. Do TikTok ao Instagram, passando por plataformas de jogos online, a interação entre jovens usuários de internet não tem precedentes, o que cria um nicho cultural específico.

Termo oriundo dessa geração, “cringe” designa uma ironia de consumo, comportamento e hábitos. Começou, então, uma “batalha” nas redes sociais para afirmar valores geracionais. Ser fã de Harry Potter, assim como tomar café da manhã, seria cringe, ultrapassado e sem sentido de acordo com os jovens de até 25 anos.

“Cringe veio para mudar a forma de comunicar. A gente fala com públicos diferentes de maneiras diferentes. Cada público e geração se comunica de uma maneira, tem q estar atento a isso”, diz Eliane Ramos, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos. “É necessário se adaptar à pandemia. Milenials e geração Z podem estar lidando melhor com o isolamento social, mais que os boomers”, diz a psicológa analisando tendências de adaptação a um novo contexto que promove inseguranças.

Embora critique o etarismo, preconceito de rotular pessoas por suas idades, as diferenças geracionais refletem busca por afirmação e ambição de mudanças. “O conflito geracional não é vencedor. O que importa é entender a característica de cada grupo e como se relacionar e trocar aprendizados. Vacina é vacina, tem que tomar a que tiver”, ressalta Ramos.

Neste sentido, adotar uma postura que privilegiaria a individualidade diante do grave problema coletivo é muito cringe. Utilizar vacina como um produto disponível para consumo visando a uma viagem internacional é cringe. Todas as gerações concordam: escolher vacina é muito cringe.

 

Raio-X geracional

Boomers: nascidos a partir da década de 50, tendem a preferir estabilidade: trabalham na mesma empresa por vários anos, valorizam um casamento sólido e a segurança.

Geração X: nascidos aproximadamente entre 1965 e 1980, é uma geração mais competitiva, que busca sucesso profissional, autodesenvolvimento e quebra de estabilidade.

Geração Y/Milenial: nascidos entre 1981 e 1996 seriam mais criativos, estariam mais dispostos a promover mudanças e têm mais facilidade para se adaptar.

Geração Z: nascidos por volta dos anos 2000 são imersos em tecnologia, preocupam-se mais com o meio ambiente, desejam causar impacto e possuem valores culturais singulares aos de outras gerações.

Perennials: independente da idade, pertencem a esta classificação pessoas curiosas, com vontade de aprender coisas novas, maturas e com habilidade emocional para se relacionar com várias gerações.