“Se está difícil para nós, imagine para eles.”

Essa frase faz parte de um relato emocionado de Alcione Albanesi, fundadora e presidente do Amigos do Bem, iniciativa de voluntários que, há 27 anos, transforma vidas no sertão nordestino, enfrentando os desafios diários de atuar em algumas das regiões mais carentes e isoladas do Brasil.

Trago esse exemplo à tona porque todos sabemos que momentos de crise revelam a alma das pessoas. Infelizmente, no momento da verdade, alguns que defendem ideias humanistas da boca para fora acabam mostrando sua mesquinhez com a vida, desnudando um dos maiores fatores da perda da legitimidade de um líder: a incoerência entre o que diz e o que pratica. Jogam para a plateia, despudoradamente, endossando o dito popular “faça o eu digo, mas não faça o que eu faço”.

Por outro lado, vários são os que exercitam solidariedade, empatia e, até mesmo, compaixão, mobilizando a si mesmo e a outros para uma contribuição social que vai muito além dos negócios. Esse é caso do inspirador exemplo dado pela Alcione e um contingente de mais de 9 mil voluntários participantes do “Amigos do Bem”.

Desde 1993, a instituição liderada por essa empreendedora social atua na região mais carente do País, onde 25 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza. Atende, todos os meses, 75 mil pessoas, de 130 povoados em situação de vulnerabilidade em Alagoas, Ceará e Pernambuco, com projetos de educação, trabalho e renda autossustentáveis, acesso à água, moradia e saúde.

No sertão, falta água para beber e para higiene pessoal. Sem acesso hospitalar, a pandemia do novo coronavírus na região pode ser muito mais preocupante. A gravidade desse quadro também é acentuada com o retorno de homens para o sertão, deixando as capitais por falta de trabalho. Eles podem levar o Covid-19 para povoados isolados, que não contam com recursos básicos, onde famílias numerosas convivem aglomeradas em casas de barro. Os hospitais municipais ficam a quilômetros de distância e, em uma dessas comunidades, possui apenas 12 leitos, sem sequer contar com lençol, álcool e equipamentos para atender uma população local de mais de 60 mil pessoas.

Por conta da pandemia, o Amigos do Bem teve que fechar seus centros educacionais e mais de 10 mil crianças deixaram de receber refeições diariamente. Além disso, a arrecadação de alimentos, feita por milhares de voluntários em supermercados, deixou de acontecer.

Entretanto, Alcione e seu time não esmoreceram. Um plano de ação emergencial foi criado para amenizar este sofrimento. Além de manter os projetos existentes, o plano estabelece meta de distribuir 60 mil cestas básicas para famílias do sertão; abastecer as cisternas dos povoados com 25 milhões de litros de água; entregar 20 mil kits de higiene nos povoados; e apoiar os hospitais locais.

Alcione mostra algumas das virtudes e competências mais cruciais para os líderes nesse momento, como velocidade na reação à crise; manutenção do propósito e foco de suas equipes, mesmo em circunstâncias adversas; habilidade de fazer mais com menos; e, especialmente, a paixão com que ela e sua equipe se entregam à causa que abraçaram.

Comprovam esse compromisso as realizações do Amigos do Bem nos últimos anos, incluindo a geração de 1.000 empregos no sertão; a constituição de 15 unidades produtivas (cultivo de caju e fábrica para processamento da castanha, oficinas de costura e artesanato, fábrica de doces, mel e pimenta); e a ascensão de 450 jovens à faculdade (primeiras gerações de suas famílias a cursar ensino superior).

Compartilho esse caso porque me proporciona uma fonte infinita de inspiração e revela uma faceta muito positiva desse momento que vivenciamos, marcado por tantas agruras. De forma semelhante, felizmente, temos presenciado inúmeras outras ações de solidariedade. Um deles é a Casa de Maria (www.casademaria.org), em Curitiba, coordenada pelo professor Daniel Godri, que começou há 25 anos, inspirada nos Doutores da Alegria; outro movimento é a construção de hospitais de emergência capitaneada pelo empresário Carlos Wizard (www.eufaçopartedasolução.com.br).

Correndo o risco de pecar pela omissão de vários outros exemplos notáveis, não posso deixar de salientar o esforço de algumas marcas, que têm inovado em campanhas de doações e atendimento a públicos específicos ou ao seu ecossistema de fornecedores e distribuidores. Uma delas é a Suvinil (BASF), que formatou um programa de bonificação para pintores que se encontram parados devido à quarentena. Já o Magazine Luiza se destaca com projetos de orientação e apoio a pequenas empresas e fornecedores.

No caso do Grupo Carrefour, temos não somente iniciativas de reforço às ações de segurança e higiene durante a pandemia, mas a doação de 15 milhões de reais em cestas básicas, com a afirmativa taxativa do seu vice-presidente, Stephane Engelhard, de que “precisamos reverter parte do lucro para a sociedade”. Ademais, o Atacadão, rede pertencente ao grupo, planeja campanha de incentivo à doação de alimentos nas lojas, com destinação total dos mantimentos coletados para o Amigos do Bem.

Destaco também a iniciativa do Instituto Solvi que estruturou a “Live do Bem” (@institutosolvi, no Instagram) para arrecadar fundos e cestas básicas entre os parceiros da Solvi Ambiental. As doações serão direcionadas a famílias desprotegidas e também em reconhecimento aos heróis anônimos que estão expostos na linha de frente em serviços essenciais como os de limpeza urbana e tratamento de resíduos em aterros sanitários. A ação da empresa dá sequência à campanha #umgestodegratidao.

Além disso, alguns bancos anunciaram a doação de quantias vultosas no combate à Covid-19, mas precisamos aferir como esses valores chegam, de fato, aos mais necessitados, pois às vezes, se perdem no labirinto das burocracias criadas para gerenciar tais recursos.

Em conclusão, volto ao ponto inicial: a crise desnuda a alma das pessoas e a verdadeira cultura das empresas. O momento é de cada líder assumir o protagonismo, com assertividade, determinação, perseverança e criatividade. Ao longo desse processo, importante considerar não apenas o futuro do seu negócio, mas da sociedade como um todo e exercer, diariamente, solidariedade, altruísmo e compaixão.

É preciso se transformar para ser um agente da transformação que sua empresa necessita e que o momento exige!

* César Souza é o fundador e presidente do Grupo Empreenda, consultor e palestrante em Estratégia Empresarial, Desenvolvimento de Líderes e na estruturação de Innovation Hubs. Autor de “Seja o Líder que o Momento Exige”