É preciso procurar com atenção o reino da Bélgica no mapa-múndi, devido à sua dimensão reduzida se comparada à das vizinhas França e Alemanha. O país de 10 milhões de habitantes, famoso por seus chocolates e pelas 450 marcas de cerveja, viu-se, na semana passada, no epicentro da crise europeia, quando o sesquicentenário banco Dexia, de propriedade dos governos francês e belga, anunciou na terça-feira 4 que não iria honrar seus compromissos. A notícia caiu como uma bomba, e não foi só entre os belgas, que promoveram uma corrida às agências do Dexia para retirar suas economias. A quebra do banco foi, também o primeiro sinal concreto de que os problemas na dívida soberana na Europa já se transformaram em uma crise bancária. A adrenalina subiu no mundo todo e obrigou as autoridades europeias, – finalmente – a oferecer soluções práticas para evitar uma catástrofe maior. Depois de uma reunião com a direção do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial e do Banco Central Europeu (BCE), na quinta-feira 6, a chanceler alemã Angela Merkel garantiu que os governos da União Europeia (UE) estarão a postos para capitalizar os bancos.  

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Contra o efeito dominó: Europa vai proteger bancos mais vulneráveis à crise,
em especial, os detentores dos títulos da dívida grega

“Estamos sob pressão do tempo e precisamos tomar decisões rápidas”, disse Angela, ao lado da diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, que também reforçou o otimismo: “O G20 estudará meios de restabelecer uma rede de segurança financeira”, afirmou Christine. No mesmo dia, o BCE anunciou que injetará € 40 bilhões no programa de compra de títulos bancários. Ao mesmo tempo, a Inglaterra garantiu 75 bilhões de libras para reativar sua economia. As medidas animaram as bolsas na quinta-feira, mas as boas intenções não devem satisfazer os mercados por muito tempo. “É necessário apresentar algo mais concreto”, diz Eduardo Velho, economista-chefe da corretora Prosper, de São Paulo. “A Grécia, por exemplo, já vive um calote técnico, com os prêmios cada vez mais altos pagos pelos títulos da dívida.” Na semana passada, o governo grego já havia garantido uma carga explosiva no continente europeu ao admitir a incapacidade de cumprir as condições impostas pela UE e pelo FMI para liberar novas parcelas do pacote de resgate.  

O Fundo esperava que o país reduzisse o déficit público para 7,6% do PIB neste ano, mas o governo já avisou que não conseguirá ir além dos 8,5%. A perspectiva cada vez mais próxima de um calote aumenta a urgência de deixar mais claras as medidas para conter os danos sobre o sistema bancário. Isso porque o mercado deve manter a volatilidade, depois do alívio inicial. “A situação ainda vai piorar antes de melhorar”, afirma o economista-chefe do banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal. “Está claro que não se cometerão os mesmos erros da época do Lehman Brothers, na crise de 2008, mas podem ser cometidos erros novos.” O primeiro erro possível seria a demora em definir uma estratégia unificada de recapitalização dos bancos. Enquanto a Alemanha considera que a melhor solução é cada país responsabilizar-se pelas próprias instituições financeiras, a França acredita que o Fundo de Estabilização Financeiro Europeu deve ser o primeiro instrumento a ser acionado. 

 

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Os recursos do Fundo, de € 440 bilhões, também parecem ser insuficientes para socorrer os bancos e os países em dificuldades, notadamente Itália e Espanha. Falta, ainda, um acordo sobre quais seriam as alternativas para aumentar seu poder de fogo.  A inexistência de definições faz os mais céticos avaliar que os europeus estão usando declarações genéricas para ganhar tempo. “Até agora não há uma coordenação efetiva”, afirma o economista-chefe do banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves. “Vai ser cada um por si.” Num quadro pessimista, o Brasil certamente não ficará imune. Os bancos brasileiros não têm exposição a títulos de governos europeus, mas poderiam ser afetados pela via do crédito, como ocorreu em 2008, quando as linhas externas foram interrompidas. Mesmo assim, o presidente da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), Murilo Portugal, mantém o otimismo. “O sistema bancário brasileiro está protegido e o governo já tem a experiência dos instrumentos utilizados para combater os efeitos da crise americana”, diz Portugal, que já foi o terceiro executivo mais importante do comando do FMI. 

 

Para ele, o Brasil dispõe de munição de sobra para enfrentar a turbulência: US$ 350 bilhões em reservas e 10% do PIB em depósitos compulsórios no Banco Central. Mais do que um imbróglio financeiro, o grande desafio estrutural da Europa é como as autoridades vão trabalhar por planos que incentivem o crescimento. Em visita aos países do Velho Mundo, a presidente Dilma Rousseff aproveitou o encontro com o primeiro-ministro belga, Yves Leterme, na segunda-feira 3, para colocar o dedo na ferida: “Nossa experiência demonstra que ajustes fiscais extremamente recessivos só aprofundaram o processo de estagnação”, disse Dilma. E como estimular a recuperação em países já tão castigados pela crise? “É muito difícil ter uma solução para a crise soberana da Europa quando a população vive um processo de fadiga tão grande”, afirma o embaixador Sérgio Amaral, responsável pela negociação da dívida externa brasileira nos anos 1980. Amaral tem em mente a reação, muitas vezes violenta, aos remédios amargos do tradicional receituário anticrise. Na semana passada, os gregos foram às ruas novamente para protestar contra as medidas de ajuste anunciadas pelo governo, que preveem o corte de 30 mil servidores públicos.

 

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