No dia 24, o novo CEO da Usiminas, Sérgio Leite, fez o seu discurso de posse, por meio de telões, para mais de 5 mil funcionários. Durante a fala, repetiu diversas vezes um mantra de felicidade. “Fiz um pacto comigo de ser feliz o tempo inteiro”, disse, em tom de autor de livro de auto-ajuda, o executivo, que ocupou a vice-presidência nos últimos seis meses. “A Usiminas tem de voltar a ser uma empresa alegre.” Mas o apelo, direcionado aos trabalhadores, está longe de ser a realidade na companhia, gigante com faturamento de R$ 8,4 bilhões no ano passado.

A começar pela cúpula. Uma interminável briga entre os sócios majoritários, que começou em agosto de 2014, teve mais um episódio em março, com a destituição do CEO Rômel Erwin de Souza, ligado à japonesa Nippon Steel, dona de 32,41% do capital da siderúrgica brasileira, e a nomeação de Leite, com apoio da ítalo-argentina Ternium Techint, sócia com participação de 39,57%. É a quarta vez em menos de três anos que isso acontece. E o efeito tem sido devastador para a empresa. A troca de comando, como se previa, foi cercada de conflitos e trocas de farpas.

O estopim foi a acusação de que Souza assinou um memorando considerado estratégico com a japonesa Sumitomo, sem consultar seus diretores ou conselheiros. Em defesa do antigo comandante, a Nippon afirma que se tratava de um documento classificado como “não vinculante”, ou seja, que não teria a obrigação de ser cumprido. Uma mera formalidade. A assinatura, segundo a Nippon Steel, ocorreu somente para a Usiminas ter acesso aos R$ 700 milhões do caixa da Mineração Usiminas (Musa), uma joint venture formada pela Usiminas (dona de 70% do capital) e a japonesa Sumitomo (com 30%).

Piada nas redes sociais: a briga entre acionistas chegou até a internet. Na imagem, Souza (à esq.) é visto como o presidente “raiz” e Leite, o “Nutella’
Piada nas redes sociais: a briga entre acionistas chegou até a internet. Na imagem, Souza (à esq.) é visto como o presidente “raiz” e Leite, o “Nutella’ (Crédito:Mauricio de Souza/AE e Domingos Peixoto/Ag. O Globo)

No controverso memorando consta que ambas as empresas voltariam a negociar a respeito da diminuição das compras de minério de ferro produzido pela Musa. Por conta da crise econômica e o consequente desligamento do forno de Cubatão, ocorrido em maio de 2015, a Usiminas reduziu a aquisição de minério de ferro da Musa de 4 milhões para 2,5 milhões de toneladas por ano – o que afetou as encomendas da Musa. Para compensar as perdas, a Sumitomo solicitou que a Usiminas garantisse à Musa, por meio desse memorando, a rentabilidade que a mineradora apresentava antes da decisão de desligamento de Cubatão. Souza assinou o termo. Na visão da Ternium, isso constituiu uma ilegalidade.

Por conta da assinatura, o conselho decidiu afastar Souza, por sete votos a quatro. Votaram contra o ex-presidente os três conselheiros ligados à Ternium, os três indicados pelos minoritários: dois da CSN, empresa controlada por Benjamin Steinbruch, e um do BTG, acionistas da Usiminas) e o representante dos empregados. “Era uma decisão extremamente importante para ser tomada por Souza sem consultar ninguém”, disse um conselheiro que não quis se identificar. “Ele pensou que poderia fazer o que quisesse porque tinha o apoio dos japoneses.”

Também foi citado o fato de Souza ter assinado um documento em inglês sem ter a fluência do idioma. Executivos ligados a Souza, contudo, contestam a reação dos sócios argentinos. “A Ternium está querendo tomar o poder à força e inventaram esse acontecimento dizendo que é igual ao que aconteceu com o Julián Eguren”, diz uma fonte, referindo-se ao ex-CEO, destituído em setembro de 2014. “Mas não tem nada a ver.” Eguren caiu após uma série de acusações envolvendo ele e dois executivos: o então diretor de subsidiárias, Marcelo Chara, e o ex-diretor de subsidiárias e atual presidente da Ternium no País, Paolo Bassetti.

Segundo as auditorias internas e externas, promovidas pela Usiminas em paralelo com a britânica EY e a americana Deloitte, os executivos estariam recebendo bonificações da Usiminas além do permitido. Documentos a que DINHEIRO teve acesso mostram que a Usiminas cobra R$ 3,5 milhões de Bassetti, entre desembolsos irregulares de aluguel, plano de previdência privada na Itália, seu país de origem, e valores de bônus definidos por eles mesmos. Datado de 27 de julho de 2015 e com prazo de dez dias úteis para o acerto, a devolução não foi realizada.

“Tinha casos de apartamentos em São Paulo alugados pelos executivos por R$ 60 mil ao mês”, diz um executivo da empresa que não quis se identificar. Procurado pela DINHEIRO, Bassetti não se pronunciou. “A Ternium nega veementemente que exista alguma dívida de seus executivos com a Usiminas, e informa que não existe nenhum processo de cobrança na Justiça”, disse a Ternium, em nota. O mesmo argumento foi utilizado pelos advogados de defesa. “Continuamos afirmando que não houve qualquer irregularidade”, diz Luiz Fernando Fraga, advogado do escritório Barbosa, Müssnich e Aragão.

Esta é a segunda vez que Souza foi afastado da presidência para Leite assumir a cadeira (veja as mudanças no quadro ao final da reportagem). A decisão anterior, determinada em maio de 2016, foi indeferida seis meses depois pela 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que alegava não haver razões para o acordo de acionistas ser quebrado. Explica-se: no acordo entre os dois maiores acionistas não há a possibilidade de qualquer tomada de decisão sem a anuência das duas empresas, a não ser que sejam comprovadas irregularidades intencionais.

Este foi o argumento para a Nippon tirar Eguren e que, agora, está sendo utilizado pela Ternium para demitir Souza. A Nippon entrou na Justiça para reverter a nomeação do novo presidente. “Ao nosso ver, não houve motivos para a demissão”, diz João Marcelo Pacheco, advogado do escritório Pinheiro Neto, que faz a defesa da Nippon Steel. O fato é que está cada vez mais complicada a relação entre as empresas. Na última semana, por exemplo, diversos apócrifos foram distribuídos na sede da companhia em Belo Horizonte e na indústria, localizada no município mineiro de Ipatinga.

Neles, diversas acusações contra a Ternium e conselheiros, como Luiz Carlos Miranda, representante dos funcionários. Ele é acusado de ter recebido dinheiro dos sócios ítalo-argentinos. Os autores do panfleto são desconhecidos. “Essas pessoas que me acusaram vão ser encontradas e pagar na Justiça por calúnia”, diz Miranda. “Já fiz boletim de ocorrência a respeito disso.” O clima de instabilidade continua permeando a sede da empresa. O próprio Sérgio Leite não fez a mudança para a sala da presidência e continua ocupando o espaço destinado à vice-presidência comercial, função que permanece sob sua responsabilidade.

Até mesmo “memes”, como são conhecidas as piadas compartilhadas nas redes sociais, estão circulando nos celulares dos funcionários. Em uma delas, colocam Souza e Leite como presidentes raiz e Nutella, respectivamente, brincadeira que faz sucesso na internet para diferenciar pessoas, digamos, tradicionais e frescas (veja imagem acima). É como comparar o sambista Zeca Pagodinho e o pagodeiro engomado Thiaguinho. Uma solução para o imbróglio dessa sociedade está, aparentemente, longe de acontecer.

Propostas como divisão dos ativos da companhia e um leilão em que o sócio com a maior proposta fica com a participação do outro, conhecida no mercado como “roleta russa”, foram aventadas, mas descartadas por ambos. “Foi sugerido ao conselho um presidente independente, mas isso foi rechaçado”, diz uma fonte próxima aos conselheiros. Um dos nomes sugeridos teria sido do ex-diretor de ferrosos e estratégia da Vale, José Carlos Martins. Enquanto as brigas continuam, analistas não se arriscam em prever qual será o rumo das ações da empresa, que deve mais de R$ 6,9 bilhões. Desde o início da briga e com o agravamento da crise econômica, os números da Usiminas pioraram (ver quadro ao final da reportagem).

Agora, com a injeção de capital feita pelos acionistas de R$ 1 bilhão, em julho de 2016, somada aos R$ 700 milhões vindos da redução de capital da Usiminas de sua controlada Musa, a possibilidade de recuperação judicial ficou distante. As dívidas de curto prazo, realizáveis nos próximos 12 meses, também foram negociadas e representam somente 1% das atuais. “É uma companhia que sabe o que fazer e que conseguiu se reerguer”, diz Adeodato Volppi Neto, estrategista-chefe da Eleven Financial. “Mas com essa briga, é possível que eles ainda façam um gol contra.” Procurada, a Usiminas, por meio de nota, afirmou que “não comenta assuntos do âmbito de seus acionistas ou do Conselho de Administração.”

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