A rotina de um ministro da Fazenda não costuma ser tranquila em nenhum lugar do mundo. Pior ainda se o País a ser administrado faz parte do grupo de emergentes que, por definição, são mais vulneráveis a choques externos. No caso do Brasil, em particular, o atual ministro, Eduardo Guardia, vem enfrentando uma duríssima realidade, que mescla turbulências internacionais com inúmeros problemas internos. Ao tomar posse, no dia 10 de abril, o cenário no horizonte parecia tranquilo. O dólar estava em R$ 3,40, a estimativa média dos analistas para o crescimento do PIB, em 2018, era de 2,80% e a paz reinava na Petrobras. De lá para cá, tudo mudou. Os caminhoneiros paralisaram o País, obrigando o governo dar benefícios fiscais sem ter recursos. O presidente da Petrobras pediu demissão, a moeda americana superou o patamar de R$ 3,90 e a expansão do PIB estimada é de apenas 2,18%, com viés de baixa.

Guardia era o secretário-executivo do então ministro Henrique Meirelles, que deixou o posto para se candidatar à Presidência da República pelo MDB. No discurso de posse, o economista paulistano enfatizou as conquistas do governo Michel Temer, citando a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita os gastos públicos. Prometeu ainda manter o diálogo com o Congresso Nacional para aprovar projetos como o que permite a privatização da Eletrobras, o que confere autonomia ao Banco Central e o que simplifica a estrutura tributária do Brasil. Ao longo desses quase 60 dias, quase nada avançou. Os executivos da indústria automotiva, por exemplo, não se conformam com os sucessivos adiamentos, por parte da equipe da Fazenda, do anúncio do programa Rota 2030, que estabelecerá regras e benefícios fiscais para as montadoras que investirem em inovação no Brasil. “As matrizes sempre nos perguntam por que está demorando tanto”, diz Antonio Megale, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). “Eu não sei mais o que responder e parei de arriscar prazos.”

Quem já teve a oportunidade de se reunir com o novo ministro reconhece a sua capacidade técnica. Com um currículo robusto, que inclui passagens pelo Ministério do Planejamento e pelo Tesouro Nacional, Guardia domina bem a burocracia pública. “Ele é muito simpático, de fácil acesso, mas o problema é que ele é obcecado por controle de gastos”, diz um executivo, que representa uma empresa estrangeira no Brasil. “Assim nada avança e o PIB vai minguando.” Nas últimas semanas, a agenda de trabalho do ministro ficou sobrecarregada por conta das paralisações dos caminhoneiros. Intermináveis reuniões políticas foram realizadas em Brasília para que fosse encontrada uma solução fiscal para a alta no preço do óleo diesel. Guardia, sempre firme, não abre mão da responsabilidade fiscal.

Sorriso amarelo: o ex-ministro Meirelles saiu da Fazenda para se lançar pré-candidato à Presidência (Crédito:Joao Godinho / O Tempo)

Na terça-feira 5, diante do risco de o cumprimento do acordo entre o governo Temer e os caminhoneiros ficar inviabilizado, houve a sugestão para que uma parte dos recursos arrecadados com o leilão de petróleo (a União receberá R$ 3,15 bilhões), realizado dois dias depois, fosse utilizada no barateamento do diesel. A ideia foi prontamente rechaçada pelo ministro. “Não podemos fazer nada com esse recurso que vai além do que já está definido hoje dentro do teto de despesas”, disse Guardia. “Não posso gastar além do definido pelo teto dos gastos.” A lista de problemas que estão demandando declarações públicas do ministro é cada vez mais extensa (leia quadro). Em ano eleitoral, a equipe econômica vem lidando com reiterados pedidos de governadores para aumentar o endividamento. A resposta é sempre negativa. “Não podemos resolver problema dos Estados com mais endividamento”, afirmou Guardia.

Nos últimos dias, diante da disparada do dólar, o ministro precisou vestir o uniforme de bombeiro para atuar em conjunto com o Tesouro Nacional e o Banco Central (leia reportagem aqui). A atuação não é trivial, pois envolve questões externas e disputas eleitorais locais. Na quinta-feira 7, quando a moeda americana ultrapassou o patamar de R$ 3,90, Guardia tentou acalmar o mercado no gogó. “Existe uma tendência de valorização global do dólar e isso afeta com maior intensidade os emergentes”, afirmou. “No caso brasileiro, existe uma tensão maior por causa da transição política e do cenário de eleições, o que traz mais incerteza aos mercados.”

O ministro vem destacando as robustas reservas de US$ 380 bilhões como um escudo para as turbulências atuais. Ao ressaltar que “os fundamentos da economia brasileira são muito sólidos”, Guardia tenta passar uma mensagem de otimismo quanto ao futuro. Não está surtindo efeito. Na sexta-feira 8, menos de um mês depois de reduzir de 3% para 2% a projeção do PIB para 2018, a equipe do Itaú Unibanco cortou a estimativa para 1,7%. E pior: reduziu a projeção para 2019 de 2,8% para 2,5%. Sob tensão, o Ministério da Fazenda enfrenta uma tempestade perfeita.