No início de 2021, quando começaram a trocar mensagens pelo WhatsApp, as executivas Erica Fridman, Flávia Mello, Jaana Goeggel e Mariana Figueira nem imaginavam aonde aqueles bate-papos as levariam. Ao lado das conversas típicas de quem encara o dia a dia pesado do universo corporativo, um tema era recorrente: a dificuldade das empreendedoras de obter capital para colocar suas ideias em prática. Erica, Flávia e Jaana observavam isso nas conversas dos diversos grupos de investidores anjo de que participam. No caso, não é uma mera impressão. Essa percepção é mais do que comprovada pelas estatísticas. No Brasil, apenas 5% das startups são lideradas exclusivamente por mulheres. Parece pouco, de fato é pouco, e fica bem pior: só 0,04% do capital investido em startups brasileiras chegava naquelas fundadas por mulheres. Os dados são da plataforma Distrito Dataminer, especializada em startups.

As conversas avançaram e o grupo atraiu investidoras interessadas em estimular empreendedoras. Em meados do ano passado a ideia tomou forma e ganhou nome. Surgia a Sororitê, uma plataforma exclusivamente feminina para investidoras anjo. Inicialmente com dez participantes, o grupo atualmente tem 70. Os objetivos são trocar informações, compartilhar experiências e analisar startups comandadas por mulheres.Os resultados não demoraram a aparecer. Em pouco mais de um ano, a Sororitê se tornou a maior rede de investidoras anjo da América Latina, tendo aportado R$ 3 milhões em oito empresas.

“Nós ficamos intimidadas quando entramos no mundo dos investimentos. Imagine então a fundadora de uma startup que vai apresentar seu projeto para um monte de homens”, disse Erica. O constrangimento não é uma figura de linguagem. A executiva tem uma formação invejável. Administradora pela Fundação Getulio Vargas (FGV), com MBA em Private Equity, Venture Capital e Investimentos em Startups, Erica entrou em 2021 para a lista Top Women Investing in Latin American Tech. Mesmo assim, ela disse ter receio de fazer perguntas que poderiam ser consideradas bobas pelos investidores. Ao criar o grupo de mensagens, descobriu que não era a única. “Percebemos que queríamos algo diferente e criamos um ambiente onde mulheres se sentissem seguras para falar.”

VENDAS NAS LIVES Monique Lima queria ajudar a irmã a vender sapatos. Criou um sistema, uma empresa, e planeja ser investidora. (Crédito:ThiagoFarias)

Ao migrar do aplicativo para reuniões presenciais, as fundadoras da Sororitê notaram a necessidade de ajustes. Por exemplo, mudar o horário das apresentações para as 8h30, em vez do tradicional começo da noite. “Parece um detalhe sem importância, mas isso é fundamental para quem tem de buscar as crianças na escola no fim do dia”, afirmou Erica. Com isso, o tempo de apresentação pode ser ampliado para até 20 minutos, em vez do teto tradicional de oito minutos. As empreendedoras inscrevem seus projetos por um site e a startup é analisada. Os critérios de avaliação seguem o padrão do setor, em que são analisadas a estrutura da startup e o mercado em que ela atua. Além disso, porém, está um olhar “feminino”. As fundadoras têm de ser mulheres e os produtos precisam ter um impacto na sociedade.

PRAZER FEMININO Um bom exemplo é a femtech Feel, criada pela especialista em marketing e inovação Marina Ratton. A empresa surpreendeu as investidoras por focar na saúde sexual feminina. Se você pensa que esse assunto já não é mais um tabu, pense de novo. As pesquisas de Marina mostraram que quase 60% das brasileiras têm dificuldade de sentir prazer. Pior, muitas acabam normalizando dor e desconforto durante o sexo. “Olhamos toda a jornada íntima feminina, da menarca à menopausa, passando pelo puerpério”, disse ela. “Descobrimos que 50% das mulheres têm problemas nessa trajetória e chegam à menopausa sem conhecer o próprio corpo.” A Feel começou a oferecer orientação de profissionais do setor e a vender produtos para o bem-estar feminino. São lubrificantes, excitantes e sabonetes para candidíase de repetição. A abordagem científica do problema vem garantindo um crescimento nas vendas de 20% ao mês.

Outra empresa a receber investimentos foi a Mimo Live Sales, criada por Monique Lima. Uma loja de calçados pertencente à irmã fechou devido à pandemia. Monique, com 35 anos de idade e trabalhado com publicidade desde os 20, resolveu ajudar a desencalhar o estoque. A solução veio do outro lado do mundo. “Fui pesquisar e descobri que na China as lives representam 30% das vendas no comércio eletrônico”, disse ela. A saída foi aplicada aqui. “As clientes só precisam clicar na tela para comprar os sapatos, funciona como se elas estivessem na loja.” A primeira live teve 300 participantes, a segunda atraiu 600 e o estoque desapareceu. “Só adaptamos o formato e desenvolvemos a tecnologia para permitir ao varejo retomar as vendas, mesmo com as lojas fechadas”, afirmou.

O PRAZER DO LUCRO Entre as brasileiras, 50% desconhecem seus corpos. Oportunidade para Marina Ratton, e uma startup para a Sororitê. (Crédito:Divulgação)

Onze investidoras anjo da Sororitê aportaram R$ 800 mil na empresa. Com isso, a Mimo investiu em tecnologia, as lives se tornaram maiores e atraíram pesos-pesados como C&A e Whirlpool, entre outras. Monique pediu demissão da agência de publicidade África e se tornou empreendedora. “Começamos há 20 meses. Éramos eu, uma sócia e mais três pessoas. Atualmente somos 35 e até África se tornou cliente.” Sem a bênção das investidoras anjo, nada disso teria ocorrido. “Elas foram fundamentais para minha trajetória e também quero me tornar também uma investidora no futuro”, afirmou.

Para a CEO da Hermoney, Andrezza Rodrigues, sem a ajuda de outras mulheres fica difícil. Fundada em 2019, plataforma de automação financeira para mulheres empreendedoras recebeu R$ 1,3 milhão de investidores. Não foi fácil. “Enquanto um empreendedor homem consegue dinheiro em cinco reuniões com investidores, as mulheres precisam de 15 encontros para fechar negócio”, disse Andrezza. “Quando os homens apresentam suas empresas, as perguntas são sobre os planos para a expansão. Quando mulheres apresentam, as perguntas são sobre como evitar a falência.” Andrezza enfrentou o ceticismo de 72 grupos em três meses para conseguir recursos. Sua empresa cresceu na pandemia, administrando as finanças de outras empreendedoras.

R$ 3 milhões já foram investidos em startups fundadas por mulheres em um ano

R$ 10 milhões é a meta de investimento da sororitê para 2022

É com base em histórias como essa que a Sororitê chegou aos R$ 3 milhões, investidos em novatas de tecnologia de varejo, de saúde, beleza e serviços financeiros, disse a cofundadora Jaana. A executiva suíça estudou na Columbia Business School, tem master em engenharia e está há 13 anos no Brasil, onde trabalhou em diversas multinacionais. “Diferentemente da Suíça, onde as coisas estão mais desenvolvidas, no Brasil há uma imensa possibilidade de negócios”, afirmou Jaana. “É muito mais fácil para as investidoras anjo daqui encontrarem algumas pérolas.”

E a manter foco para as startups femininas é uma vantagem dupla. “Percebemos que mulheres querem colocar dinheiro não só em bons negócios, mas em ideias que gerem impacto positivo na sociedade”, disse Jaana. A meta é chegar ao final de 2022 com 100 investidoras e um montante investido de R$ 10 milhões. Sua colega Erica afirma querer que “a Sororitê seja referência para quem busca capital e expertise, bem como na missão de fortalecer mulheres em todos os setores, chegando àqueles dominados por homens, como fintechs e agrotechs”.