Em abril de 2020, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson agradeceu emocionado na televisão ao pessoal da saúde que salvou sua vida quando ele adoeceu com covid-19 e prometeu os fundos necessários para o sistema público à beira da implosão.

Um ano depois, o pessoal da saúde britânico denuncia promessas vazias e se sente “traído”, enquanto especialistas alertam sobre os riscos de que o sistema continue subfinanciado.

Antes da pandemia, o NHS, sistema de saúde gratuito ao qual os britânicos professam verdadeira devoção, “já se encontrava em uma posição difícil”, “tínhamos atrasos nas listas de espera, em todos os âmbitos” devido à insuficiência crônica de pessoal e leitos hospitalares, lembra Stuart Tuckwood, enfermeiro e um dos líderes do sindicato Unison.

Os hospitais e suas equipes tiveram que lidar com o estresse e os horários infernais de várias ondas devastadoras da covid-19, que deixaram mais de 127.000 mortos no Reino Unido, o país da Europa mais atingido pelo vírus.

“Muitos trabalhadores do NHS têm enormes problemas físicos e mentais” e quando o “governo anunciou que tudo o que iria oferecer era um aumento de 1%, foi recebido como uma traição”, acrescenta Tuckwood.

Esta pequena concessão impactou. Os líderes trabalhistas pedem aumento dos salários para trabalhadores essenciais. Até a pop star Dua Lipa, quando recebeu o prêmio no Brit Awards esta semana, pediu a Boris Johnson para lhes dar “um aumento decente”.

“A pressão sobre o pessoal do NHS não é sustentável e as pessoas estão exaustas”, insiste Stuart Tuckwood.

Um estudo recente da British Medical Association com 2.100 trabalhadores da saúde constatou que mais de um em cada cinco pretende deixar o NHS e mudar de carreira devido a um ano de intenso estresse e exaustão.

Stuart Tuckwood explica que os enfermeiros costumam ser mal pagos, mas outros profissionais da saúde menos qualificados ganham ainda menos e muitos vivem abaixo da linha da pobreza.

O sindicato de enfermeiros Royal Nurses College exige um aumento de 12,5%, enquanto o Unison pede 2.000 libras de prêmio excepcional este ano.

Franco Sassi, professor de política sanitária no Imperial College Business School, está preocupado com a “falta de financiamento estrutural (…) além do compromisso com despesas urgentes decorrentes da epidemia”.

Os gastos com saúde no Reino Unido eram “43% menos do que na Alemanha e 15% menos do que na França antes da pandemia”, lembra.

O número de médicos no Reino Unido, 2,8 por mil pessoas, “é muito inferior à média da UE”, e o número de leitos hospitalares é o segundo mais baixo da Europa, aponta Sassi numa publicação no portal do Imperial.

Se isso não for sanado, “o NHS não conseguirá atender às necessidades dos pacientes após a pandemia”, conclui.

O governo conservador de Boris Johnson garante que fez “investimentos recordes durante a pandemia e anunciou 7 bilhões de libras (9,8 bilhões de dólares) de financiamento adicional para o NHS e as despesas geradas pela covid-19”, segundo um porta-voz do ministério da Saúde.

Além disso, outros funcionários tiveram seus salários congelados este ano, ao contrário dos funcionários do NHS, que se beneficiaram “do acordo salarial plurianual com os sindicatos”, acrescentou ele, para não mencionar bônus para equiparar funcionários com salários mais baixos.

O Institute for Fiscal Studies, a favor de uma ortodoxia orçamentária, alerta em um estudo publicado na quinta-feira: “5 milhões de pessoas estão atualmente esperando por tratamentos hospitalares de rotina” no Reino Unido, delas, cerca de 10% esperaram há mais de um ano.

“Recuperar o tempo perdido vai levar anos e bilhões de libras”, assegura.

O governo acaba de anunciar 160 milhões de libras (US $ 225 milhões) para ajudar nesse atraso. “Depois de mais de um ano de pandemia, uma estratégia de recursos humanos clara é necessária para recompensar e reter o pessoal”.