No ano 525 a.C. o general chinês Sun Tzu escreveu que “triunfam aqueles que sabem quando lutar e quando esperar”. A frase, contida no clássico A Arte da Guerra, se refere às estratégias que definem os movimentos diante de um impasse. Na iminência de um colapso na saúde pública, com a economia desandando e a popularidade em queda livre, o presidente Jair Bolsonaro parece ter perdido a capacidade de reagir com moderação frente ao sensível momento que o Brasil atravessa. Depois de repreender em rede nacional a decisão dos governadores de manter o isolamento social para conter o coronavírus, o presidente abriu fogo contra lideranças como os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC). Perdeu até parte dos seus mais próximos aliados, entre eles o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM).

A principal demanda dos governadores é por socorro financeiro da União para lidar com a pandemia que deve se agravar nas próximas semanas e fazer desabar as receitas. E, por ter a maior concentração de riqueza entre os entes federativos, cabe à União medidas como emissão de moeda ou títulos da dívida pública. Aos estados, com menos recursos, sobra a opção de apertar o cinto e se preparar para o colapso da saúde pública esperada para abril. Segundo o presidente do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do DF e secretário da Fazenda do Piauí, Rafael Fonteles, a queda da arrecadação dos estados com ICMS pode chegar a 40% durante a pandemia. “Com isso precisariam mensalmente de um socorro da União na casa dos R$ 15 bilhões”, disse. Ele, no entanto, afirmou que os esforços agora precisam ser voltados ao controle da doença. “A preocupação, até mesmo econômica, é ter recursos para combater a pandemia. Só depois pensamos em como combater os efeitos da depressão econômica, em como reaquecer a economia.”

Reunião tensa Representantes do governo federal falam com governadores do Sudeste em videoconferência na quarta-feira. A postura de Bolsonaro aumenta seu isolamento. (Crédito:Marcos Corrêa)

Com essa queda brusca nas arrecadações dos estados, a União entende que não poderá suprir as demandas se a atividade econômica estiver defasada por conta do isolamento social, e isso tem sustentado a queda de braço entre os poderes. Esse diálogo seria natural, caso o presidente Bolsonaro não usasse como respostas rompantes, ofensas e ironia, como as feitas ao governador de São Paulo, que em uma videoconferência com governadores da Região Sudeste para tratar da Covid-19. “Recebi como resposta um ataque descontrolado do presidente. Ao invés de discutir medidas para salvar vidas, preferiu falar sobre política e eleições”, disse Doria, que caracterizou o episódio como “lamentável e preocupante”.

Dar o exemplo Na reunião virtual, Doria disse: “Na condição de cidadão, de brasileiro, e também de governador, início lamentando os termos do seu pronunciamento à nação. O senhor como presidente da República tem que dar o exemplo. Tem que ser mandatário para comandar, para dirigir, liderar o País, e não para dividir”. Dito isso, Bolsonaro reagiu afirmando que Dória “apoderou-se” do seu nome para se eleger governador e depois “virou as costas”, passando a atacar o governo federal. “Subiu à sua cabeça a possibilidade de ser presidente da República. Não tem responsabilidade. Não tem altura para criticar o governo federal, que fez completamente diferente o que outros fizeram no passado. Vossa excelência não é exemplo para ninguém”, disse Bolsonaro na reunião. Restou ao ministro da Saúde, Henrique Mandetta, pedir calma aos governantes. “Volto a repetir, no momento onde se tem uma crise dessa proporção a primeira palavra que a gente precisa ter é clama e equilíbrio.”

Após a reunião, o presidente do Rio de Janeiro, Wilson Witzel — que já vinha polarizando com Bolsonaro nos últimos meses — também aproveitou a crítica do presidente às decisões dos governadores para reafirmar seu compromisso com o cidadão fluminense. “Ressuscitar a economia a gente consegue. Ressuscitar quem morreu é impossível”, disse. Para ele o momento não é de fazer política.

O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), também criticou a posição de “confronto” e garantiu que o Espírito Santo continuará seguindo o protocolo de quarentena até que a transmissão do coronavírus seja controlada e, assim, os estabelecimentos comerciais possam ser reabertos. “A palavra dele [Bolsonaro] pode estabelecer o relaxamento das pessoas. Por isso faço um apelo: que a gente continue com os mesmos cuidados que temos até agora.”

Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, foi o mais brando, mas ainda assim manteve-se a lado dos três colegas regionais. “Em Minas seguiremos com o protocolo da OMS [Organização Mundial de Saúde]. Minha prioridade é salvar vidas.”

ROMPIMENTO Quem também abandonou o barco de Bolsonaro foi o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (Democratas), uma das vozes mais ativas na defesa do presidente. “Não tem mais diálogo com esse homem. As coisas têm que ter um ponto final”, afirmou Caiado, que foi responsável pela indicação de Luiz Henrique Mandetta para o Ministério da Saúde. Os dois são médicos formados pela mesma universidade. Caiado, que esteve na videoconferência terça-feira 24 com o presidente e outros governadores do Centro-Oeste, afirmou que Bolsonaro não deu a entender que faria uma fala, poucas horas depois, em rede nacional, chamando o coronavírus de “gripezinha” e responsabilizando os executivos estaduais por uma histeria descabida. “Vai prevalecer o que eu determinei. As ações [de Bolsonaro] não alcançam o estado de Goiás”, disse, mantendo o protocolo de quarentena recomendado pela OMS.

Tentando ignorar que o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente, criou um incidente diplomático ao insinuar que a China fabricou o coronavírus e não alertou o mundo sobre a doença, parte dos governadores brasileiros busca no país asiático um aliado contra a pandemia. O objetivo é obter insumos e discutir estratégia para conter a doença por aqui. Entre os dias 12 e 23 de março ao menos dez governadores entraram em contato com a embaixada chinesa em Brasília para obter informações sobre o controle da Covid-19. Nesse grupo, destacam-se os nove governadores do Nordeste, além do Distrito Federal. “Recebemos ligações de pelo menos dez governadores, mas em um primeiro momento, em função da polêmica envolvendo o filho do presidente, houve certo receio em atender as demandas”, afirmou à revista DINHEIRO um funcionário do consulado, em condição de anonimato. Ainda assim, o embaixador do país em Brasília, Yang Wanming, disse que o diálogo estaria aberto.

A iniciativa foi orquestrada pelo Consórcio Nordeste, grupo coordenado pelo governador da Bahia, Rui Costa (PT), que afirmou ter recebido boas sinalizações de cooperação com a China. “Tomei decisões duras e importantes com relação ao coronavírus. Vamos buscar as ajudas necessárias e indagar o governo federal em questões como o Bolsa Família”, disse. No Pará, que também ensaia aproximação com a China, o governador Helder Barbalho (MDB) falou que o estado tem feito tudo para se preparar para o pico da doença. Segundo ele, não há espaço para esperar o governo federal agir. “Não vou pedir licença para ninguém.” Tudo isso em um momento em que até a renúncia de Bolsonaro é cogitada por militares e entes do Judiciário para evitar um constrangimento maior do País. A saída, no entanto, enfrenta resistência do presidente.

“Não há mais diálogo com Bolsonaro” Ronaldo Caiado governador de goiás. (Crédito:Divulgação)

No frigir dos ovos, mesmo com a liberação de um pacote de R$ 85,2 bilhões para Estados e municípios, a tensão entre os poderes parece ter engrossado a ponto de uma teleconferência com os 27 governadores ter sido convocada em modo de urgência. Realizada na quarta-feira 25 à noite, foram discutidas a adoção de medidas em todo o território nacional. Por meio de uma carta, apontam como prioridade a aprovação no Congresso do Plano Mansueto, que permite a estados captar recursos em bancos privados. Também querem repasse integral de recursos da União que estiverem livres no orçamento para aplicar na saúde. A parte mais polêmica foi a assinatura de 26 dos 27 estados para aplicação da Lei 10.835/2004 que trata sobre a imposição do pagamento de renda básica para famílias com renda mensal de até três salários mínimos. O único governador contrário teve seu nome preservado. Essas demandas jogaram na sombra o pacote de socorro anunciado no dia 22 pelo governo envolve renegociação e perdão de dívidas dos estados, recomposição do fundo setorial e liberação de crédito. Agora, isso tudo pode não bastar para, além de controlar a pandemia, apagar os incêndios criados pelo presidente.