Que o Brasil precisa expandir suas relações comerciais mundo afora – deixando de ser responsável por apenas 1,2% do comércio internacional, na 27ª posição no ranking global – todos hão de concordar. O que ainda está longe de ser uma unanimidade é a forma com a qual o País negociou seus acordos bilaterais ou em bloco nos últimos anos. Por parte da indústria, a percepção que predomina é a de que os afagos diplomáticos com redução de tarifas em diversos setores, entre eles a mais recente isenção de todos os impostos e taxas para o etanol de milho dos Estados Unidos e a ausência de instrumentos de defesa comercial no acordo de livre-comércio (por ora deixado no congelador) entre o Mercosul-União Europeia (UE), colocam em risco a capacidade de competição do setor produtivo brasileiro.

Um estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), entregue ao governo brasileiro na quarta-feira (18), concluiu que o setor privado colocou muita atenção sobre redução de tarifas e bem menos nos instrumentos de defesa comercial, como medidas antidumping, antissubsídio, salvaguarda.

De acordo com Thomaz Zanotto, coautor do estudo e diretor do Departamento de Relacionais Internacionais e Comércio Exterior da Fiesp, as futuras negociações de acordos preferenciais de comércio precisam levar em conta, com mais cautela, práticas consideradas desleais. “Desde 2003, quando lançamos a Agenda de Interação Externa, somos favoráveis às aberturas comerciais, mas as negociações precisam ser pragmáticas e não levar em conta questões ideológicas”, disse. Segundo ele, o Brasil tem adotado tarifas de importação muito baixas e negligenciado instrumentos de defesa comercial, situações prejudiciais ao setor produtivo. “Os mais prejudicados são segmentos como celulose, metalurgia e alumínio”, afirmou . O estudo revela que dos 26 acordos dos quais o Brasil faz parte atualmente, “há espaço para aprimoramento da prática brasileiras nas futuras negociações”, em relação a questões de defesa comercial.

INDÚSTRIA REAGINDO Em outubro, empresários conseguiram elevar o número de funcionários e melhorar a situação do estoque, indicando retomada no setor após a crise. (Crédito:Istock)

No caso do acordo Mercosul-UE, a entidade industrial afirma ter ficado de fora a exclusão recíproca na aplicação de salvaguardas globais. Além disso, não foi determinada nas negociações a consulta prévia entre os dois blocos à abertura de investigações de dumping ou de subsídios contra importações de produtos originários do bloco. “Assim como não há compromisso de notificação sobre aplicação de medidas contra terceiros países que não fazem parte do acordo”, disse Zanotto. A Fiesp defende que, em futuras negociações, o governo coloque luz a aspectos de transparência nas investigações contra práticas desleais e proibição expressa, mecanismos emergenciais para frear a entrada de um produto para se preservar o uso proporcional dessa medida.

Tais ponderações acontecem num momento em que a indústria tenta se reerguer. Em outubro, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), os empresários do setor apresentaram aumento do emprego, redução dos estoques e avanço da atividade, em um movimento acima do comum para o mês. No período, o Uso da Capacidade Instalada média no chão de fábrica ficou em 74%.

PARCEIROS, MAS… Entre 1995 e 2019, 38,5% das investigações iniciadas no Brasil (160 de um total de 418) e 36% das medidas antidumping aplicadas contra comércio considerado desleal (95 de 266) tiveram como alvo as exportações de parceiros com os quais o Brasil tem acordo comercial. Por outro lado, 73% das investigações de dumping (116 de 159) e 74% das medidas aplicadas (82 de 111) contra as exportações originárias do Brasil foram notificadas por parceiros com os quais o País o possui acordo comercial.

Os que mais investigaram o Brasil foram Argentina (65), Índia (10) e Sacu, a união aduaneira liderada pela África do Sul (10). Os que mais aplicaram sobretaxas contra as exportações brasileiras foram Argentina (45), Índia (11) e México (10). Quanto a medidas anti-subsídios, o Brasil abriu 12 investigações, sendo oito delas (67%) contra parceiros de acordo comercial. Em contrapartida, só uma das 12 investigações iniciadas contra o Brasil partiu de parceiro preferencial. Para o advogado tributário Gustavo Frias Magalhães, consultor aduaneiro com escritório em Xangai, num mundo pós-Covid é possível que as barreiras protecionistas aumentem e que os países tentem proteger mais as suas indústrias. “O mundo não é mais o mesmo. E os acordos também não serão”, disse. Na avaliação dele, além da maior proteção industrial, os cuidados sanitários serão alvo de judicialização. “Quando a pandemia entra pela janela, os amigos saem pela porta”, afirmou.