O presidente Lula está absolutamente certo em reclamar das taxas abusivas, em cobrar revisões e provocar o Banco Central a repensar sua política monetária e a forma de suas decisões à luz da realidade brasileira. Ninguém mais que ele, na posição que exerce e na condição inequívoca de responsável pelo grande desafio de recolocar o Brasil de volta aos trilhos, adotando um plano econômico exequível, está credenciado a fazê-lo nos termos em questão. Daí a surpresa com a postura, de certa maneira indevida, de inúmeros setores da produção, que questionaram o que consideram uma interferência perigosa e errada do mandatário. Não se trata, logicamente, disso. Lula não extrapolou atribuições. Ao contrário, fez valer os votos angariados nas urnas. Visto assim, há ainda reflexões precedentes e bem atuais a serem levantadas sobre o Banco Central e a política monetária em andamento. O presidente da instituição, Roberto Campos, a despeito de sua qualidade técnica e nítida disposição ao entendimento, tem, junto da equipe, cometido, decerto, alguns escorregões no campo dos conceitos. O primeiro deles a lembrar: autonomia não é a mesma coisa de independência. O Banco Central é um órgão do Executivo, não representa um quarto poder do País e não pode se enxergar como totalmente independente. O fio que separa os dois conceitos ­— de autonomia e independência — é tênue, mas existe e precisa ser considerado. Como instrumento do Executivo, o BC deve sim estar sistematicamente atento, e em boa parte alinhado, às políticas de Estado. A ideia de uma prática de juros alta (altíssima por sinal) como a que vem sendo gestada, claramente, não está atingindo os efeitos esperados. Até porque não temos no momento uma inflação de demanda, provocada por consumidores ávidos por comprar sem oferta suficiente à disposição. Estamos com os juros mais altos do mundo no momento — não há nada perto, nem parecido, em qualquer lugar do planeta —, e isso compromete seriamente qualquer tentativa de retomada. Os 13,75% de taxa nominal, mais de 8% reais, é de uma barbaridade sem tamanho e, não obstante a isso, a inflação segue subindo. É o equívoco do remédio matando o paciente. O professor André Lara Resende descreve bem como estamos vivendo essa anomalia. Outras dezenas de economistas já aderiram a um abaixo-assinado criticando a política monetária do BC como agora o faz o demiurgo Lula. Reclamam que em “nenhum dos países dotados de recursos e economias estruturadas” exista algo parecido que esteja minando as forças para a recuperação. O manifesto é duro e claro no diagnóstico, mas, repita-se, na condição de presidente da República, é justo e importante que seja o próprio Lula a empreender a maior cruzada de contestação do quadro, como vem fazendo atualmente. Não deveriam pairar dúvidas sobre a legitimidade do seu papel de crítico dessa estratégia do BC, que vem ceifando o fôlego da economia. Afinal ele “governa”, representa o povo que tem, como ele, a mesma percepção. Campos, demonstrando habilidade, deu sinais de armistício nos últimos dias e precisará sim ouvir mais as demandas e acomodar pressões dentro de uma política de juros coerente com as necessidades do País. Equivocada e ideológica a ideia de colocá-lo em um pedestal de paladino da resistência contra o governo, como o fizeram certos críticos ideológicos do atual governo. Em que tipo de economia vamos parar assim?

Carlos José Marques
Diretor editorial