O acordo de livre-comércio buscado pela União Europeia e pelo Mercosul depende de uma oferta melhor dos europeus para o etanol e, sobretudo, para a carne, afirmam produtores e representes de frigoríficos do bloco sul-americano.

“Não podem oferecer um hambúrguer por ano. Isso é menosprezar”, disse à AFP Daniel Belerati, vice-presidente Fórum Mercosul da Carne, que reúne organizações de produtores e frigoríficos e assessora os governos de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai nas negociações.

Para Belerati, a oferta da UE para importação de carne (70 mil toneladas) é “ridícula” e arrisca a assinatura do acordo.

Veja abaixo trechos da entrevista.

– Onde está o centro do problema do Mercosul e da UE com a carne?

O principal dos problemas é político, porque há uma quantidade de interesses dentro da UE que pretendem manter, claramente, o voto dos produtores europeus, ainda que com um protecionismo que não tem nem o alcance, nem a profundidade que os políticos dizem aos produtores europeus.

Para manter essa posição privilegiada de contar com o voto dos agropecuaristas, que na Europa são bastante expressivos, deixaram a carne como um elemento especialmente sensível, quando a realidade e os volumes que estamos falando de forma alguma vão afetar a vida dos produtores, ou o preço da carne na Europa, e praticamente não vai mudar nada. Só Bruxelas pode arrecadar menos, do ponto de vista tributário.

Estamos falando de um acesso de carnes em quantidade muito similar (à atual), mas sem as tarifas aduaneiras.

(…) Ao todo, com o que seriam as produções e o consumo, estamos falando de 20 milhões de toneladas entre os dois blocos. A última oferta que a UE fez em matéria de carne foi de 70 mil toneladas.

(…) É absolutamente ridículo dizer que uma produção pode ser questionada pela entrada de 70 mil toneladas, que hoje pagam 4,03 euros por kg de carne e que passarão a pagar zero euro, que isso vai desequilibrar um mercado de 500 milhões de pessoas. É ridículo. É apenas para dar aos produtores a sensação que estão defendendo-os. A realidade é pura e exclusivamente política e vai contra o consumidor europeu, porque esse tipo de estrutura encarece a carne.

– O que dizem os dados?

A oferta da UE feita em 4 de outubro foi de 70 mil toneladas. Essas coisas não chegam ao produtor europeu, a quem os políticos europeus tomam como um tonto. Setenta milhões de quilos para 508 milhões de pessoas. Isso dá 138 gramas per cápita por ano. Essa é a oferta.

Para falar claramente, é o mesmo que comer um Big Mac. Cada europeu, no dia em que comer um Big Mac, comeu toda a oferta que a Europa nos fez. Isso é uma provocação. Não se pode oferecer um hambúrguer por ano. Isso é menosprezar. É achar que ainda estamos em 1492. Tem que ser algo razoável.

Não estamos falando de loucuras nossas. Estamos falando de 5% do mercado, que são 390 mil toneladas (de um total de 7,9 milhões), sabendo que alguém vai ter que ceder. A diferença é brutal. Se a UE não melhorar o assunto da carne e do etanol para o Brasil, esse acordo está seriamente questionado.

– O que está em jogo para o Mercosul?

Em termos gerais, a carne paga 4 mil euros por tonelada, além de 13,8% de tarifa aduaneira sobre o valor. Fica em torno de 5 mil e 5,5 mil euros o custo por tonelada de carne.

Para nós, produtores, isso torna um mercado que paga bons preços praticamente inacessível. E que, além de pagar bem, está focado no tipo de carne que nós produzimos e vendemos: de alta qualidade, produzida naturalmente, sem hormônios, sem antibióticos, sem promotores de crescimento. É uma carne desenhada para a UE e espetacularmente apreciada na Europa.

E é exatamente isso que está nos custando, por esse tipo de coisas. A carne é transcendente e vamos até o fim. Se não, não tem sentido (um acordo).