O ano eleitoral, em especial para presidentes que buscam recondução ao cargo, é sempre frutífero para pressões por reajuste salarial. Com a popularidade do presidente Jair Bolsonaro patinando, distribuir aumentos para servidores até poderia ajudar a reverter este dado, não fosse a situação crítica da economia brasileira. Com pelo menos 40 categorias do funcionalismo pedindo elevação de até 2w8% nos rendimentos (o que significaria aumento na folha de pagamento na ordem de R$ 100 bilhões em um ano), o ministro da Economia, Paulo Guedes, até tentou entrar em mais um embate e resistir às mudanças. O problema é que, agora, essa decisão não caberá a ele. Por trás da negociação está um ente muito menos racional que o comandante da política econômica brasileira e muito mais relevante hoje para o governo: o Centrão. No começo do ano, o grupo político recebeu do governo a chave do cofre da União para delimitar e direcionar despesas por meio da Casa Civil e do chefe da Pasta, Ciro Nogueira.

R$ 400mil foi o salário pago a 18 procuradores em dezembro, com benefícios acumulados

Nos corredores do Planalto, Ciro já é chamado, ao lado do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de primeiro-ministro de Bolsonaro, já que ele tirou de Paulo Guedes o controle absoluto dos recursos administrados pelo governo central. Na prática, Guedes ainda desenha como o dinheiro pode ser usado, mas o aval final fica a cargo de um dos nomes mais influentes do Centrão no Congresso. “Guedes não está satisfeito com as decisões recentes, e tem reclamado abertamente com assessores, mas essa decisão política foi necessária para que o governo conseguisse dialogar melhor com o Congresso”, afirmou em condição de anonimato um parlamentar do Centrão próximo a Ciro Nogueira.

E o primeiro grande teste desta carta branca do Centrão nas finanças do governo veio com a pressão de servidores federais. No Orçamento estipulado pelo Ministério da Economia, havia uma reserva de R$ 1,7 bilhão para custear o reajuste apenas para integrantes da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), parte importante da base aliada de Bolsonaro. Diante dessa previsão de aumento seletivo, as demais categorias se organizaram para manifestações em frente ao Banco Central, ao Ministério da Economia e ao Congresso.

25% foi a perda na renda de oito a cada 10 servidores, entre 2019 e 2022, diz a Fonacate

E o principal alvo dos manifestantes foi o ministro Paulo Guedes. O presidente do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), que reúne 37 categorias da elite do funcionalismo público, Rudinei Marques, levantou uma fala de Guedes em que ele chama os funcionários públicos de parasitas. “Ele diz que vai colocar uma granada no bolso dos servidores. Pois bem, agora é hora de o serviço público federal devolver a granada para o bolso dele.” Segundo ele, as categorias representadas estão há cinco anos sem aumento. “São três anos de ataques e agressões aos servidores públicos. É o momento de dizer basta.” De acordo com cálculos da entidade, 80% dos servidores perderam 25% do poder aquisitivo desde 2019 pela pressão inflacionária. O que ele não diz, ou prefere não dizer, é que o País inteiro e não apenas o funcionalismo vive o mesmo cenário.

PROCURADORES Enquanto o funcionalismo menos abastado se organiza para pressionar o governo, o grupo de servidores que ocupa o topo da pirâmide se deu bem. Após a assinatura de um ato que obrigava o pagamento integral de benefícios que não foram pagos a procuradores nos últimos anos, 18 deles receberam cerca de R$ 400 mil de salário em dezembro. Segundo dados do Portal Transparência, outros 53 receberam acima de R$ 300 mil, 155 receberam mais de R$ 200 mil e 469 ganharam acima de R$ 100 mil. A cifra envolve pagamento de licenças, auxílios, decisões judiciais, equiparação de salários e benefícios, todos corrigidos pela inflação. A PGR, de Augusto Aras, defende que os pagamentos são legais. Podem ser legais, mas são imorais no Brasil de hoje. “Parte dessas dívidas é antiga e foi reconhecida por decisões judiciais, que determinaram o respectivo pagamento. Os valores são quitados quando há sobra orçamentária.”

Divulgação

“Há três anos que o ministro paulo guedes ataca e agride o servidor público. É hora de dizer basta” Rudinei marques, Presidente do Fonocate.

Esse cheque para os procuradores também deve jogar gasolina nas manifestações em outras categorias igualmente abastadas, mas que não foram contempladas, como os auditores fiscais da Receita Federal e do Trabalho, os advogados da União e os analistas do Banco Central. Mais uma cifra para ser acomodada no Orçamento de 2022 que vai abrigar ainda o fundo eleitoral mais gordo (de R$ 4,9 bilhões para R$ 5,7 bilhões); até R$ 30 bilhões de emendas parlamentares e o que mais for entendido como “necessário” para a eleição.