Henrique Mandetta, Nelson Teich, Eduardo Pazuello e agora Marcelo Queiroga… Se fosse no cinema, o elenco da trama poderia compor o filme Todos os Homens de um Desgoverno, ou algum título similar. Mas, infelizmente, não é ficção. Em pouco mais de dois anos, desde que Jair Bolsonaro assumiu a chefia do Poder Executivo, o gabinete principal do Bloco G da Esplanada dos Ministérios, prédio que abriga o Ministério da Saúde, trocou de inquilinos tantas vezes quanto as propostas do presidente — não baseadas na ciência — sobre a Covid-19. E erram os que apostam que a mudança mais recente, ao trocar o general Eduardo Pazuello pelo médico Marcelo Queiroga, viria com uma nova orientação no controle da pandemia. Antes mesmo de assumir, o novo ministro já falou que segue a cartilha de seu antecessor, e deixa claro que quem manda é Jair.

Chefiando a pasta mais importante do governo em tempos de pandemia, o novo ministro deveria aproveitar a alta capacidade de centralização do Sistema Único de Saúde (SUS) para controlar tudo que pode ser feito no combate a pandemia, mas vai passar longe disso. Subordinado a um presidente que nega a ciência e pautado por uma gestão supostamente ideológica e comprovadamente inepta, o novo ministro surge como mais uma peça para agradar o presidente.

Na semana passada, no momento mais grave da pandemia, quando a média diária de mortes encostou em 3 mil, Bolsonaro descartou o general Pazuello, degolado para tentar amenizar os erros do próprio presidente. Foi então que surgiu o nome de Queiroga, que é médico especialista em cardiologia e doutorando em bioética. Ele ainda preside a Sociedade Brasileira de Cardiologia que, inclusive, não recomenda o uso da cloroquina para tratar Covid.

COLAPSO ANUNCIADO: Em Santo André (SP), um hospital de campanha que abriga pacientes contaminados pela Covid-19. Faltam leitos de UTI em todo o País (Crédito:Deividi Correa / Folhapress)

Mas durou pouco a esperança de uma virada. Bolsonaro e seu novo ministro trataram de avisar que trocar as peças não altera a estratégia de combate à pandemia. Na quarta-feira (17) Queiroga garantiu seguir “a cartilha de Pazuello”, dando a entender que nada será mudado. O futuro ministro também se disse “entusiasmado” com o novo desafio, palavra infeliz para um momento tão delicado da saúde pública. “A política é do governo Bolsonaro, não do ministro da Saúde. O ministro executa a política do governo”, afirmou Queiroga, deixando clara sua posição à frente da pasta. No dia 17, quando deu a declaração, o Brasil perdeu 2.736 vidas em 24 horas, segundo o Ministério da Saúde, o pior resultado entre todos os países do mundo. Com esse abacaxi na mão e ciente de que terá de atuar mais como psiquiatra do que como ministro com Bolsonaro, Queiroga já deixou claro aonde pode chegar. “Sozinho não vou fazer nenhuma mágica e não vou resolver nenhuma crise na saúde pública.”

A mudança no comando da Pasta não foi apenas um ato teatral do governo para tentar melhorar a imagem do presidente no combate à pandemia (segundo pesquisa Datafolha do dia 16 de março, 54% da população desaprova a condução do governo no controle da Covid). A troca do comando deveria ser o primeiro afago de Bolsonaro ao centrão no Congresso Nacional. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, confidenciou à aliados sua frustração com o nome escolhido por Bolsonaro para o lugar de Pazuello. “Fui feito de trouxa”, disse ele.

“LAMENTÁVEL” Dentro do PP havia movimentação em busca de um nome para substituir o general, mas Bolsonaro não teria nem considerado os candidatos. Entre eles estava o deputado federal Dr. Luizinho (PP), que já foi secretário de saúde do Rio de Janeiro e hoje preside a Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara, que cuida de projetos relacionados à saúde. Também estava no páreo a cardiologista Ludhmila Hajjar, que declinou do convite depois de conversar com Bolsonaro.

Para o médico sanitarista e ex-ministro da saúde Arthur Chioro, o Brasil hoje é o epicentro das preocupações mundiais de entidades sanitárias. “É lamentável como Bolsonaro está conduzindo a pandemia”, disse. Seja qual for o destino de Queiroga nos desmandos de Bolsonaro, o médico já fugiu do script presidencial. Ao ser empossado no cargo, defendeu o uso da máscara, pediu para que os repórteres evitassem a aglomeração, endossou a intensa utilização de álcool em gel e recomendou o aumento das práticas básicas de higiene pessoal, como lavar as mãos. Receita que já derrubou outros dois ministros.