A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) da quarta-feira (28) de manter a taxa referencial de juros Selic estável em 2% ao ano não surpreendeu ninguém no mercado financeiro. Esse resultado era esperado. No entanto, o que chamou a atenção dos agentes do mercado foi o teor do comunicado, divulgado tradicionalmente junto com a decisão do Comitê. Até a quarta-feira, havia uma crescente incerteza com relação à atuação futura do Banco Central, mas o comunicado deixou claro: para o BC, a alta recente da inflação é só um surto, não um movimento consistente. “O comunicado da reunião deixou claro que, na visão do Banco Central, a alta de preços decorre de questões pontuais e é temporária”, disse o economista-chefe do Asa Investiments, Gustavo Ribeiro. “Para o BC, a inflação deverá permanecer abaixo do centro da meta no horizonte relevante para a política monetária, que vai até o ano de 2022.”

Outros pontos do comunicado vieram em linha com as expectativas. O BC permanece observando uma recuperação desigual nos diferentes setores da economia. Os ramos de atividade mais diretamente afetados pelo distanciamento social permanecem abaixo dos níveis anteriores à pandemia, ao passo que alguns segmentos, como o da construção civil, estão bastante aquecidos. Segundo o Copom, a incerteza em torno do ritmo de recuperação da economia permanece elevada, principalmente após o fim do ano, quando cessará o pagamento do auxílio emergencial.

Gustavo Ribeiro, economista-chefe do Asa Investiments “O comunicado deixou claro que a alta de preços é temporária” (Crédito:Leonardo Rodrigues)

O cenário externo também é preocupante, tanto pela redução dos auxílios governamentais quanto pelo recrudescimento das contaminações pelo coronavírus, que levaram à adoção de medidas restritivas na Europa e nos Estados Unidos, provocando fortes quedas no mercado (leia mais na página 62). Mesmo assim, o Copom considerou que a volatilidade dos ativos financeiros foi menor do que o esperado, o que provoca um ambiente relativamente favorável para economias emergentes.

O BC elevou para cima a inflação esperada, apesar de acreditar que os preços permanecerão abaixo do centro da meta. A revisão para as estimativas decorreu da alta nos preços dos alimentos e de alguns insumos industriais, provocado pelo aumento dos preços das commodities e pela depreciação do real em relação ao dólar. As projeções de inflação subiram levemente e estão em 3,1% para este ano e para 2021, e em 3,3% para 2022, alta de 0,1 ponto percentual em relação aos prognósticos anteriores.

FIM DA INCERTEZA O comunicado dissipou uma grande incerteza no mercado. De um lado, a elevação de alguns índices de inflação – notadamente o IGP-M, que indicava 20,58% de alta em 12 meses até a segunda prévia de outubro – justificava atenuar a política monetária expansionista. Por outro, a retração da economia, que deve encolher 4,81% este ano, justificava uma redução dos juros. No entanto, além de analisar as variáveis que definem a política econômica, a atividade de Roberto Campos Neto, presidente do BC, exige uma tarefa mais ingrata. Enfrentar a indefinição da política fiscal, mais especificamente o debate sobre a manutenção ou não do teto de gastos. E essa questão está além do escopo do Banco Central, e deverá provocar mais turbulência nos juros no início de 2021.