A recuperação do Brasil será lenta e haverá um longo período antes que o País volte ao patamar de renda per capita registrado em 2013, avalia David Lipton, vice-diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI). Segundo ele, a profundidade e a extensão do declínio econômico vivido pelo País comprometeram as finanças do governo, das empresas e das famílias, o que dificulta a retomada do crescimento.

Lipton diz que a redução da inflação é um “sucesso notável”, que reflete a credibilidade do governo e do Banco Central. Em sua opinião, há espaço para redução dos juros no Brasil, mas o processo deve ser cauteloso, para assegurar o declínio do índice de preços ao “nível desejado”. O número 2 do FMI afirma que os investimentos devem ter maior peso entre os motores de crescimento do País, o que demanda aumento da confiança. “A situação política continua como um ponto de interrogação. Será difícil que a confiança atinja os níveis desejados enquanto não houver mais clareza, porque os investidores precisam ter uma perspectiva de longo prazo”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo em entrevista concedida sábado, 22, em seu escritório no Fundo.

Diretor para Assuntos Econômicos Internacionais do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca no primeiro mandato de Barack Obama, Lipton assumiu sua atual posição no FMI em 2011. No ano passado, foi reconduzido para mais um período de cinco anos. A seguir, trechos da entrevista:

A elevação da meta fiscal de 2018, de um déficit primário de R$ 79 bilhões para um de R$ 128 bilhões, a tornou fraca demais?

O Brasil está fazendo grande avanço em levar a economia de volta ao crescimento. Os compromissos feitos no lado fiscal e os progressos em reduzir a inflação são positivos, mas há muitas incertezas em relação ao ritmo de recuperação da economia. O orçamento é afetado por dois fatores: a execução de despesas do governo e a arrecadação de receitas, que depende de quão rápida é a recuperação. Para nós, o mais importante é o compromisso com o ajuste fiscal do governo. Se o ritmo de recuperação for mais rápido, isso ajudará a reduzir o déficit do orçamento. Mas temos de ser realistas em projetar o déficit de acordo com o ritmo da recuperação.

Em sua opinião, por que a recuperação no Brasil está demorando tanto?

As dificuldades da recuperação estão relacionadas sobretudo à economia, mas é claro que questões políticas tiveram importância. A profundidade e a extensão do declínio econômico deixaram em condições desfavoráveis as finanças de famílias, empresas e do governo. Suspeito que haverá um período longo até que a renda per capita volte ao patamar de 2013.

Quais seriam os efeitos da rejeição à reforma da Previdência?

Se o objetivo no Brasil é ter crescimento mais impulsionado pelo investimento, há uma gama de reformas estruturais que são importantes, obviamente mantendo as condições fiscais em ordem, o que depende do compromisso com o controle das despesas e a inflação baixa, o que demanda uma política monetária crível. Mas as reformas estruturais são cruciais, sendo que talvez a mais importante no momento seja a da Previdência. Temos esperança de que o Brasil encontrará consenso para isso. Se fracassar, isso causará danos para a credibilidade de todo o esforço de recuperação da economia.

Diante da queda da inflação causada pela recessão, há espaço para o BC ampliar o ritmo de redução da taxa de juros?

É um sucesso notável que a inflação esteja baixando. Isso reflete a credibilidade do governo e da ação do Banco Central, o que certamente vai criar espaço para adicional redução de juros. Dada a experiência histórica de inflação no Brasil, vimos como as incertezas relativas à alta de preços podem minar os investimentos. É importante esse esforço não ser desperdiçado, com certa dose de cautela no processo de redução de juros. Deve ser uma alta prioridade assegurar que esse processo de queda de juros seja sustentado pelo declínio da inflação para o nível desejado.

A projeção do FMI de que o PIB no Brasil subirá 1,7% em 2018 considera as incertezas que podem surgir em ano eleitoral?

Ninguém espera que a recuperação no Brasil seja impulsionada apenas pelo consumo e o crédito. É importante que o crescimento seja mais baseado em investimentos, o que depende da restauração da confiança. O governo e o Banco Central fizeram os movimentos corretos. A situação política continua como um ponto de interrogação. Será difícil que a confiança atinja os níveis desejados enquanto não houver mais clareza, porque os investidores precisam ter perspectiva de longo prazo. As questões imediatas são saber se o processo de superação da corrupção será bem sucedido, quem assumirá o governo (depois das eleições) e quais políticas serão implementadas. O crescimento virá com políticas econômicas sólidas e a situação do País mais assentada.

Qual é o potencial de crescimento do Brasil?

O Brasil tem o que chamamos de alto potencial para impulsionar o crescimento potencial. Não há razão para que o Brasil não registre crescimento rápido em dez anos e tenha um padrão de vida começando a subir na direção do registrado por economias mais avançadas. Isso pode ser atingido com a continuidade das políticas que assegurem estabilidade, a agenda de reformas estruturais e o enfrentamento dos problemas de corrupção que envolvem a reputação do governo, de empresas e do País.

Para crescer 3% em dois ou três anos quais políticas o Brasil deveria adotar?

Isso vai requerer maiores mudanças de políticas de governo e no ambiente de negócios e estratégia de crescimento baseada em investimentos. O crescimento previsto de 1,7% para 2018 é melhor do que zero ou negativo, mas não permite a elevação do padrão de vida da população para níveis de economias avançadas.

Como o senhor avalia os efeitos da Operação Lava Jato?

Vamos ver pelo lado positivo. As reformas no sistema Judiciário podem se revelar o melhor investimento que o Brasil já realizou, porque o sistema Judiciário agora funciona incrivelmente bem, em uma situação de stress e no momento mais importante. O sistema Judiciário hoje é uma fonte de força e credibilidade no Brasil.

O combate à corrupção elevará as condições de governabilidade a ponto de estimular empresas a aumentarem investimentos?

O grande fator de insatisfação popular na América Latina é a corrupção. A questão é se a corrupção priva as pessoas de terem bons governos. Se você é um consumidor, um pequeno empresário ou um grande investidor, a corrupção o priva do Estado de Direito necessário para estar disposto a comprometer seu tempo, sua energia e as economias da sua vida em uma atividade empresarial. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.