A máxima “nada é tão ruim que não possa piorar”, criada a partir das teses do engenheiro aeroespacial americano Edward A. Murphy, não surgiu em Brasília, mas cabe como uma luva no atual contexto político da Capital Federal. Principalmente no que diz respeito ao Orçamento. Por iniciativa do presidente Jair Bolsonaro, que já afirmou não poder fazer nada “porque o País está quebrado”, corre nos bastidores políticos uma articulação para desobrigar a União e os estados a investir o percentual mínimo em atividades essenciais, como saúde e educação. A proposta de desvinculação tem um apoio virtual do Congresso, que quer a desvinculação, desde que possa escolher e dividir quais recursos serão destinados para cada área.

No papel de Rainha da Inglaterra na condução da economia, dada sua completa falta de autonomia, o ministro Paulo Guedes deve receber um Orçamento desvinculado, mas ficará ainda mais amarrado ao Congresso para gerir as despesas. Se aprovada, a desvinculação deixará de exigir que os estados destinem 12% de seus recursos para a saúde e 25% para a educação. No Orçamento federal, as exigências são de 15% e 18%, respectivamente.

“A classe política tem de assumir a responsabilidade pelos orçamentos. Se ela apertar o botão vermelho, de emergência, não é só pegar o dinheiro e sair correndo”, disse Guedes, em recente evento realizado pelo Credit Suisse com economistas e investidores. “Se você está em guerra, não tem distribuição de medalha antes de a guerra acabar. Tem de pagar o custo da guerra, não pode empurrar isso para as futuras gerações”, afirmou o ministro, na tentativa de justificar mudanças no atual sistema de reparte do dinheiro público. Atualmente, 96% da arrecadação federal está comprometida com despesas obrigatórias, como pagamento de salários de servidores e gastos com serviços essenciais.

Gabriela Bilo

“Hoje governadores e prefeitos são obrigados a jogar dinheiro fora para cumprir o mínimo constitucional” Arthur Lira (PP-AL), Presidente da câmara

Com argumentos de ser uma medida essencial para que o governo possa investir na retomada, a pauta ganhou apoio amplo no Congresso, principalmente do presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), que vem atuando como uma espécie de despachante bolsonarista no Parlamento, e já disse ser 100% favorável ao tema. “Quero desvincular o Orçamento. Hoje, você tem Orçamento que bota 25% pra educação, 30% pra saúde, ‘xis’ para penitenciárias, vem todo carimbadinho”, disse Lira, em entrevista ao jornal O Globo. “Hoje governadores e prefeitos são obrigados a gastar dinheiro, jogando dinheiro fora, para cumprir o mínimo constitucional.” Na visão do parlamentar, a configuração mais apropriada é que o Legislativo decida a distribuição dos recursos, e não apenas receba e carimbe uma proposta montada pelo Executivo. “Onde as maiores democracias são fortes? Onde o Orçamento é do Legislativo. Quem vai executar é o Executivo. Mas quem diz onde vai executar, quanto vai executar e em que área é o Legislativo”, disse Lira.

O que é melhor? Deixar o Orçamento nas mãos de um Congresso entorpecido por interesses dúbios e transbordando fisiologismo, ou dar o poder de decisão a um presidente com o discernimento e capacidade de administração de uma criança de 5 anos? Diante dessa escolha, especialistas em gestão da saúde e da educação se mostram preocupados. Em nota, o Movimento Todos Pela Educação defende que a desvinculação vai gerar uma “redução substancial” dos gastos públicos com educação e inviabilizar a implementação do Fundeb, principal financiador da educação básica no País. “A desvinculação não pode ser aprovada de forma aligeirada e oportunista”, disse a entidade, ao defender que recursos da educação devem ser protegidos de pressões.

MENOS SUS O clima de tensão na área da saúde não é diferente. A economista e sanitarista Erika Aragão, presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (Abres) e integrante do Conselho Nacional de Saúde avalia que o SUS precisa é de mais em informatização e mão de obra qualificada. “Tirar dinheiro é desfinanciar o SUS quando a população brasileira está envelhecendo e precisará de mais atendimento.”

Nos cálculos do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), a desvinculação vai afetar os municípios, porta de entrada do atendimento primário. Hoje, segundo o Ministério da Saúde o Brasil gasta R$ 3,70 por dia, por habitante, com saúde, menos da metade de Portugal, Espanha ou Itália. Com problemas graves e soluções recheadas de chances de não dar certo, Brasília desafia a lei de Murphy e esquece da regra de ouro do engenheiro: “Se algo pode dar errado, dará”.