O mercado acionário é marcado por volatilidade e por mudanças abruptas de direção. Na primeira semana do ano, o que costuma ser a regra para os preços das ações tornou-se também a prática para as decisões da bolsa. No fim de 2020, seguindo uma orientação do presidente americano Donald Trump, a Bolsa de Nova York anunciou que ia retirar do pregão ações de três empresas telefônicas chinesas. Os papéis da China Unicom, da China Telecom e da China Mobile seriam “deslistados” devido a uma ordem executiva de Trump, proibindo os americanos de investir em companhias alegadamente controladas pelas Forças Armadas chinesas. Na primeira semana do ano, em duas mudanças abruptas de opinião, a Bolsa de Nova York desistiu de deslistar as ações na segunda-feira (4) e desistiu da desistência na quarta-feira (6). Até o fechamento desta edição, o banimento estava em vigor e as ações serão excluídas do pregão na segunda-feira, dia 11 de janeiro. Nada impede, porém, que isso mude de novo nos próximos dias.

Não foi a única decisão do governo americano contra os investimentos do país asiático. Na terça-feira (5), Trump assinou outra ordem executiva proibindo transações com oito aplicativos chineses. Entre eles estão o Alipay, do gigante comercial Alibaba, além de outras ferramentas de pagamento como WeChat Pay e QQ Wallet (observe o quadro). O argumento do governo é que esses aplicativos acessam informações pessoais dos americanos de forma indevida e têm a capacidade de “rastrear a localização de agentes federais e servidores públicos contratados e elaborar relatórios com tais informações pessoais”.

E ao longo do segundo semestre de 2020, enquanto o mundo se debatia contra a pandemia, o governo americano se batia contra a plataforma de vídeos Tik Tok, pertencente à chinesa ByteDance. Trump ameaçou banir a diversão de milhões de adolescentes que postam vídeos curtos se a plataforma não fosse vendida a uma empresa “terrivelmente americana”, como a Microsoft. As negociações não prosperaram e, em dezembro, a justiça decidiu que o governo não tinha poder para impor sanções à Tik Tok. É provável que o mesmo ocorra com a decisão relativa aos aplicativos. A mudança entra em vigor em 45 dias, quando Joe Biden já deverá ter tomado posse da Presidência americana. Por ora, um juiz federal emitiu uma liminar anulando a ordem e governo americano apelou da decisão.

O governo chinês reagiu com a dureza esperada. Em uma declaração, o Ministério do Comércio chinês informou que “vamos apoiar firmemente as empresas chinesas para salvaguardar seus direitos, e nos reservamos o direito de tomar as medidas necessárias”. Na prática, o governo de Xi Jinping, que já esteve várias vezes às turras com Trump e seus prepostos, poderá bloquear a atuação de empresas americanas na China, banindo produtos e serviços.

A medida também pode prejudicar o presidente eleito Joe Biden, que indicou que deseja recalibrar as políticas dos Estados Unidos em relação à China, ao mesmo tempo em que continua pressionando o país asiático em algumas questões.

TENSÃO Embora o presidente chinês Xi Jinping não tenha se manifestado sobre as decisões de Trump, o clima com o governo americano deverá permanecer estremecido até a troca de comando na Casa Branca. (Crédito:Xinhua/Ju Peng)

PEQUENO ALCANCE A decisão provocou fortes oscilações nas ações chinesas. Na quarta-feira, a China Unicom viu suas cotações recuarem 12% na Bolsa de Nova York, ao passo que as demais empresas tiveram quedas ao redor de 8%. As que operam os aplicativos não têm papéis listados em bolsa. Mesmo assim, os especialistas são unânimes em afirmar que o alcance da decisão americana pode ser limitado.

A grande maioria dos usuários dos aplicativos reside na China. Os usuários do Alipay, por exemplo, precisam ter uma conta bancária e um número de celular chineses. Segundo o especialista em economia digital da China Samuel Sacks, é improvável que muitos dos aplicativos incluídos na ordem executiva lidassem com muitos dados pertencentes a cidadãos americanos. Ainda assim, as restrições podem afetar os chineses e americanos que viajam entre os países ou usam os serviços para fazer negócios na China.

Nesse imbróglio, não passou despercebido o fato de que a queda das ações de telefonia foi de curta duração e boa parte dos negócios migrou para outros pregões, como a Bolsa de Xangai. Ao retirar papéis chineses de seu pregão, a Bolsa de Nova York está, na prática, estimulando investidores a fazer negócios em outras praças, o que pode ajudar a destravar a complexa internacionalização do mercado acionário chinês.