O fantasma da crise provocada pela pandemia da Covid-19 foi bem menor do que imaginava o setor de materiais de construção no Brasil. Impulsionado pela necessidade de reformas em casas principalmente após o início do sistema de trabalho remoto em boa parte das empresas, as obras andaram em pleno vapor. Entre março e novembro, a venda das indústrias para o varejo da construção registrou performance 22% superior ao período pré-Covid, entre janeiro e fevereiro de 2020. Levando-se em conta apenas os números de novembro, o crescimento foi de 48% sobre os primeiros dois meses do ano passado. Os dados integram estudo realizado pela empresa Juntos Somos Mais, joint venture criada em 2018 pela Votorantim Cimentos, Gerdau e Tigre como um programa de relacionamento entre indústria e lojistas e que hoje também oferece plataforma de marketplace a 85 mil varejistas no País, o equivalente a 65% do setor, com cerca de 130 mil lojas de materiais de construção. “As lojas foram consideradas como essenciais logo no início da pandemia, o que contribuiu para que muita gente, que precisou trabalhar de casa, passasse a valorizar mais a residência e a pensar em reformas”, disse o CEO da Juntos Somos Mais, Antônio Serrano.

Ainda que o crescimento nas vendas de materiais de construção tenha ocorrido durante a pandemia e justamente no período de aumento da taxa de desemprego (mais de 14 milhões de pessoas sem trabalho), foi do auxílio emergencial que veio parte significativa dessa receita. O benefício foi responsável por 75% do crescimento das lojas que estão conectadas à Juntos Somos Mais. Entre maio e agosto, 17% do faturamento do setor veio dessa fonte. Para o CEO da empresa, o fim do benefício deve ser compensado com a retomada de programas habitacionais e de concessão de infraestrutura. “O Marco Legal do Saneamento e o lançamento do programa Casa Amarela (que substituiu o Minha Casa, Minha Vida) podem ajudar o setor neste ano”, afirmou. “Considerando tudo isso, acredito em um bom primeiro trimestre para o segmento.”

Do total da receita, pelo menos 80% corresponde ao programa de fidelização e o restante à loja virtual, que começou a operar no primeiro trimestre do ano passado. Além de materiais das sócias, o marketplace também oferece produtos de 20 empresas associadas do projeto. Ao todo, são cerca de 10 mil itens. O modelo do programa de fidelização, apesar de ser B2B (negócios entre empresas), segue os moldes parecidos a programas de milhagens de companhias aéreas. Os pontos são obtidos a partir de compras dos materiais das três indústrias e de outros parceiros em qualquer canal de venda, que depois se revertem em produtos para os lojistas, como computadores e câmeras de segurança.

PROGRAMA AJUDA SETOR Da receita do varejo da construção no Brasil, 75% vieram do auxílio emergencial. Antônio Serrano, CEO da Juntos Somos Mais (à esquerda), acredita que o Marco do Saneamento e os programas habitacionais vão ajudar o segmento a seguir crescendo. (Crédito:Renato S. Cerqueira)

Neste ano, a empresa quer ampliar os itens da cadeia de construção no marketplace e no plano de fidelização. Um deles é o segmento de pisos. Outra categoria é a de ferramentas manuais. Também há a intenção de aumentar em pelo menos 50% o número de parceiros que oferecem produtos na plataforma da Juntos. “As duas frentes irão crescer em 2021. Queremos ter cerca de 80% do que é oferecido em uma loja física de material de construção”, afirmou o executivo. No ano passado, a loja virtual da Juntos transacionou mais de R$ 7 bilhões.

Na esteira desse crescimento, a empresa planeja mais investimentos. Em setembro do ano passado, adquiriu a plataforma Triider, uma espécie de Uber da construção, que conecta clientes com profissionais, ajudando pedreiros, pintores, encanadores a conseguir trabalho. No ecossistema da Juntos Somos Mais estão conectados 370 mil profissionais, pouco menos de 10% dos cerca de 4,6 milhões de profissionais de obras no Brasil. A Juntos não revela quanto pagou pela plataforma, mas diz que, desde 2018, aportou R$ 50 milhões. E, até 2022, serão investidos mais R$ 50 milhões para aprimorar os sistemas.

Levando-se em conta todo o ano de 2020, o crescimento da Juntos Somos Mais é bem superior ao registrado por toda a cadeia da construção, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção (Abramat). O último levantamento do estudo, realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em novembro, mostra queda de 1,7% no acumulado de 12 meses. O faturamento anual da indústria de materiais de construção chega a R$ 185 bilhões, com 620 mil empregos diretos. O setor entrou 2020 com expectativa de retomada, após ligeira recuperação em 2019, quando PIB da construção civil fechou em alta de 1,5%, colocando fim a um encolhimento de 30% do segmento entre 2014 e 2018. O pior ano, nos últimos cinco, foi 2016, com queda de 13,5%.

O presidente da Abramat, Rodrigo Navarro, disse que a queda na atividade foi o grande desafio no começo da pandemia, quando a utilização da capacidade instalada alcançava 75% e caiu para 53%. “As pequenas reformas ajudaram o setor a voltar a crescer. Com a estabilização da demanda, a gente imagina um 2021 forte, com otimismo moderado, sem deixar de lado possíveis questões como uma segunda onda.” Navarro acredita que o setor chegue ao fim de 2021 com alta de 3,5%. Criada por três gigantes da construção (a Votorantim tem 45% e Gerdau e Tigre têm 27,5% cada), a Juntos Somos Mais pretende ir ao mercado captar mais recursos. A intenção é levantar R$ 300 milhões de um fundo de private equity. “Com investidor externo, a gente consegue melhorar aspectos de governança e atrair mais conhecimentos de tecnologia”, afirmou Serrano. O caminho agora é colocar de pé esse planejamento, sem que o pedreiro precise parar a obra.