Duas negociações sobre temas energéticos darão ao governo Jair Bolsonaro (PSL) uma oportunidade única de reduzir os preços aos consumidores brasileiros nos próximos anos. O processo de renovação de contratos da usina binacional de Itaipu e do gasoduto Brasil-Bolívia colocará à prova também a capacidade da nova administração federal de se articular com parceiros latinos. O assunto é uma das prioridades do Ministério de Minas e Energia e já movimenta o mercado e a diplomacia dos países envolvidos.

O anexo C do contrato de Itaipu, que trata das tarifas, só vence em 2023, mas distribuidoras já negociam a compra de energia considerando a manutenção das atuais regras. O problema é que ninguém sabe como será o novo formato. O acordo original foi resultado de uma engenharia diplomática e prevê que Brasil e Paraguai têm o direito a 50% dos 14 gigawatts (GW) de energia da usina. Na época do tratado, o Paraguai mal conseguia consumir a energia gerada por apenas uma das 20 turbinas da hidrelétrica. O excedente passou então a ser vendido ao Brasil. Esse volume se soma à parcela a que o País tem direito e alcança, no total, 15% da demanda brasileira. No entanto, o Paraguai tem experimentado uma aceleração superior à média dos países da América do Sul e deve fechar 2019 com um crescimento de 6,5% no PIB. Esse desempenho irá aumentar a demanda interna de energia. Além disso, o governo paraguaio recebe US$ 120 milhões ao ano pela energia cedida ao Brasil, mas pode ganhar muito mais no mercado livre. Se o Brasil não puder contar com os 96% da produção de Itaipu, o Ministério de Minas e Energia terá que comprar essa energia em outro lugar — ou construir novas usinas, o que sairá mais caro.

Revolução: construção do Gasbol permitiu a diversificação da matriz energética do País

Na avaliação de David A. M. Waltenberg, especialista em Direito da Energia, o interesse do Paraguai em dar outra destinação aos 50% que lhe cabe é antigo. Agora, com a faca e o queijo na mão, o país não deve optar por fazer caridade com essa energia, afirma Cristopher Vlavianos, presidente da Comerc Energia. O governo paraguaio contratou a consultoria do economista Jeffrey Sachs, da Universidade de Columbia, para tratar do tema. E, em março, o presidente Mario Abdo Benítez fará uma primeira reunião com Bolsonaro. Na pauta, além do envolvimento dos Estados Unidos na segurança da tríplice fronteira, está a renegociação do Tratado de Itaipu. O diretor-geral brasileiro da usina binacional, Marcos Vitório, acredita que o desfecho será feliz. “Os dois presidentes têm interesse na melhor solução. A negociação vai ser equilibrada”, diz ele.

O Itamaraty olha a questão com cautela. Os muitos cenários devem levar em conta o crescimento da demanda paraguaia. Neste momento, o Brasil está em fase de avaliação das perspectivas do preço futuro da energia. Caso não haja acordo, valem as regras atuais. “Os dois países dependem muito da energia de Itaipu. Se nada for negociado, o que não é o caso, não acontece nada. A energia continua entrando e o preço cai nos dois lados”, afirma uma fonte no Ministério. Cláudio Salles, presidente do Instituo Acende Brasil, lembra ainda que nosso vizinho não tinha nem recurso nem crédito na época da construção e toda garantia foi dada pelo Tesouro brasileiro. “Virar as costas para tamanha gentileza não seria muito diplomático.”

O vencimento do contrato marcará o fim dos custos com juros e amortização da usina. Essa conta corresponde a cerca de 60% das receitas, o que poderia significar uma redução na tarifa na mesma dimensão. “A receita total de Itaipu é da ordem de US$ 3,4 bilhões, dos quais US$ 2,1 bilhões são juros de amortização. Ou seja, a tarifa de Itaipu vai ficar baratinha”, afirma Salles. Segundo o Ministério de Minas e Energia, um grupo de trabalho está sendo formado para estudar o assunto e a redução das tarifas “é um objetivo a ser perseguido”.

GASODUTO Ainda neste ano, o Brasil terá de renegociar os preços que paga pelo gás boliviano. Firmado em 1999, um dos três contratos entre a Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S.A. (TBG) e a Petrobras vence em dezembro, liberando para a contratação até 18,08 milhões de m3 por dia de gás natural. O gasoduto tem uma capacidade atual de 30 milhões de metros cúbicos e como seu único cliente a estatal brasileira. Uma chamada pública foi aberta pela TBG para o contrato que está vencendo. O mercado acredita que a Petrobras deixará de ser a única importadora desse gás.

Com 3.150 km de extensão, dos quais 2.593 em território brasileiro (trecho operado pela TBG) e 557 em território boliviano (trecho operado pela GTB), o gasoduto Bolívia-Brasil foi inaugurado em 1999. A tubulação cruza 137 municípios no Brasil, ligando o estado do Mato Grosso do Sul até o Rio Grande do Sul,passando por São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Ele foi determinante para a instalação no país de um parque de usinas termelétricas movidas a gás natural, o que garante ao país maior segurança energética, já que estas unidades complementam as hidrelétricas.

Nesse imbróglio, o Brasil está em uma situação mais confortável. Com grande volume de gás sendo retirado do pré-sal e com possibilidade de importar Gás Natural Liquefeito via terminais de regaseificação, o país não depende tanto do insumo. “A Bolívia já não é tão necessária”, afirma Nelson Fonseca Leite, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee). É hora do Brasil aproveitar essa vantagem competitiva.