O posicionamento do presidente Jair Bolsonaro dizendo que ao acabar a saliva no diálogo com os Estados Unidos só restará pólvora reflete mais que um militar tentando conseguir aplausos de seguidores fiéis. Se a falta de educação, e de diplomacia, virou padrão para um governo sem pares no mundo, a postura de ministros “ideológicos” ao lado de um presidente sem papas na língua formam um cenário ideal para o distanciamento da comunidade internacional e criação de vácuos que podem prejudicar a economia brasileira nos próximos anos. Dentro dessa confraria de desbocados, estão o chefe da pasta do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ambos com históricos de frases pouco republicanas e que não refletem o perfil pacificador que o Brasil sempre assumiu perante o mundo.

E se esses ministros passavam batidos enquanto o presidente Donald Trump liderava os americanos, com o democrata Joe Biden obtendo os votos necessários para assumir o posto de presidente da maior economia do mundo o jogo muda. No governo, uma fonte ligada ao presidente Jair Bolsonaro já garantiu que há uma movimentação para tentar cercear ministros polêmicos. O primeiro seria Ricardo Salles, que no final de outubro, após Biden sinalizar que doaria cerca de US$ 20 bilhões para o Brasil diminuir as queimadas – caso o governo se comprometesse em elevar as políticas contra o desmatamento – respondeu: “Só R$ 20 bilhões? É por ano?”. A fala pegou mal, ainda mais após a eleição.

De acordo com a fonte, o vice-presidente Hamilton Mourão é um dos que poderão ajudar. “Há uma força tarefa para que Mourão assuma a pasta”, disse. E mesmo que a presença de militares em um governo eleito democraticamente assuste parte dos brasileiros, a maior participação do vice-presidente na cena ambiental não seria tão ruim. Para o doutor em direito internacional e representante brasileiro do Escritório para Instituições Democráticas e Direitos Humanos da OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa), Fernando Cuarón, Mourão tem sido diplomático e poderia substituir Salles. Para completar o mau momento do ministro, o Tribunal de Contas da União (TCU) o acionou na quarta-feira (11) por desrespeito à legislação ao colocar no Ibama militares sem capacidade técnica para o cargo.

No comando do Itamaraty reside outro problema grave. Ernesto Araújo, o ministro seguidor do filosoficamente controverso Olavo de Carvalho. Depois da eleição nos EUA, mais do que não parabenizar Biden, o ministro lançou um livro de artigos próprios que enalteciam Donald Trump. Em um dos textos o chefe do Itamaraty afirma ser possível dizer que “Trump e Bolsonaro são parte da mesma insurgência, o que eu chamaria de insurgência universal contra o bullshit (a besteira)”. Diante dessa manifestação, não demorou para nações com relações comerciais com Brasil e EUA enviassem cartas ao Itamaraty pedindo mais pragmatismo nas relações internacionais. Na comunidade diplomática, o ex-embaixador na China Marcos Caramuru disse que Bolsonaro errou muito ao se aliar à figura do Trump de forma pessoal.

PIOR PARA NÓS E se engana quem pensa que os Estados Unidos perdem com uma eventual birra entre Biden e Bolsonaro. Segundo dados do US Census, na relação comercial entre os dois países de janeiro a setembro deste ano, o Brasil teve déficit de US$ 9 bilhões, pior resultado entre as maiores economias do mundo. O País representa uma ínfima fatia de 0,9% das importações americanas. Pela ponta das exportações ao Brasil, o número cresce para 2,4%. Na mão contrária Brasília mostra sua dependência. Mais de 13% das exportações brasileiras e 17% das importações, em 2019, foram com Washington. Ou seja. É do lado de cá que o terreno precisa ser costurado.

Carlos Eduardo Oliveira, professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC, antecipa os problemas além da balança comercial. “Biden dá importância para o tema da segurança alimentar. Se o Brasil não se comprometer, perderá espaço. E uma decisão dos Estados Unidos costuma ter efeito cascata para outros países”, disse. Para ele, já que não há equilíbrio diplomático da parte do presidente, “espera-se que seus ministros assumam um discurso conciliador”. No blá-blá-blá da pólvora, a explosão acontecerá no Brasil.