Na Cúpula de Líderes Sobre o Clima, que começou na quinta-feira (22), o discurso de Jair Bolsonaro era um dos mais aguardados entre os presidentes convidados. Ao lado do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o capitão reformado usou seus 7 minutos e 45 segundos de fala para reafirmar compromissos já firmados anteriormente e usou argumentos desconexos com a realidade atual do País para tentar passar aos outros líderes mundiais a impressão de combate aos crimes ambientais e comprometimento com uma agenda verde da qual nunca compactuou. O destrutivo ministro Salles se manteve parado, assumindo o lugar de planta. Muito aquém do personagem que dias antes havia afrontado indígenas, desmontado organizações de fiscalização ambiental e agido para derrubar iniciativas que o investigavam, Salles aguardou resiliente seu momento de falar, e quando o fez, em tom conciliador, disse que o meio ambiente brasileiro necessita de recurso do capital estrangeiro – mas não necessariamente da atuação de fiscais.

Para receber auxílio de países comprometidos com a questão ambiental, no entanto, é preciso que haja comprometimento com a leis de natureza ambiental que o Brasil já possui. E isso não é o que vem acontecendo. Na quarta-feira (21), véspera da Cúpula de Líderes sobre o Clima, cerca de 400 servidores do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) divulgaram uma carta em que denunciam que estão com suas atividades de fiscalização totalmente paradas desde que Salles mudou o rito para a aplicação de multas ambientais. A defesa do ministro para a mudança no rito era para agilizar o processo.

Na carta, os servidores afirmam que a mudança cria uma figura semelhante à de um “censor” e que isso prejudica as ações de combate a crimes ambientais. No dia 20, dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) reveleram que o desmatamento na Amazônia aumentou 216% em março deste ano na comparação com março de 2020.

Para a especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, Suely Araújo, além do problema de administração latente que acompanha a gestão de Salles, a apresentação de Bolsonaro na Cúpula foi recheada de números ultrapassados e fora da realidade. “Ele usou dados anteriores ao seu governo, com o cenário de um País que se preocupa com a questão ambiental”, disse. Para ela, o governo atual desconstruiu o que era feito nesse sentido, perdeu recursos importantes da comunidade internacional e agora precisa tentar corrigir esse problema. “Mas mais importante do que financiamento internacional, é a reversão do quadro de desmonte completo da política ambiental.”

Ex-presidente do Ibama e membro da Organização das Nações Unidas (ONU), Carlos Mendes Souza afirmou que o discurso de Bolsonaro não teve impacto na comunidade internacional. “O governo entra como saiu: desacreditado.” Para ele, os argumentos sobre o uso de biodiesel, biomassa, etanol e energias solar e eólica são de conhecimento dos líderes mundiais. “Dizer do pioneirismo do Brasil nesses quesitos é falar de outros governos. Os presidentes queriam saber o que Bolsonaro tem feito.”

E se não o clima não parece dos melhores para o Salles e Bolsonaro entre os líderes mundiais, os governadores querem tratar de mostrar ao mundo que não são farinha do mesmo saco. Uma carta intitulada Coalizão Governadores Pelo Clima , com assinatura de 23 líderes estaduais, foi direcionada ao presidente dos EUA, Joe Biden, que organizou a Cúpula do Clima. A ideia é mostrar o comprometimento com os temas ambientais e de quebra pleitear recursos para conseguir manter políticas sustentáveis. Entre os governadores que assinam a carta estão João Doria (SP), Flávio Dino (MA) e Fátima Bezerra (RN). Segundo o texto, obtido pela reportagem, eles se mostram “conscientes da emergência climática global” e dispostos a cooperar e trabalhar em conjunto pelo desenvolvimento de políticas ambientais alinhadas com as melhores práticas globais.

INVESTIGAÇÃO Enquanto a espécie humana tenta sobreviver por mais um milênio, Salles tenta continuar no governo por mais algum tempo. E para isso não precisa resistir apenas aos que pedem sua cabeça, mas aos que o investigam. No último dia 13 o ministro se tornou alvo de uma notícia crime da Polícia Federal (PF) do Amazonas, e com isso se tornou alvo de investigação no Supremo Tribunal Federal (STF) por supostamente atrapalhar uma diligência sobre madeireiras ilegais. Um dia após a notificação, o governo exonerou o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, que pedira a investigação. A troca foi assinada pelo secretário-executivo do Ministério da Justiça, Tercio Issami Tokano, e publicada no Diário Oficial da União. Questionado, Salles se fez de árvore e não respondeu. Mas todos sabemos o destino das árvores neste governo.