Tão famoso pelas partidas psicológicas que executava à frente dos tabuleiros de xadrez, Savielly Grigorievich Tartakower, um grande mestre polonês da década de 1920, também ganhou notoriedade por cultivar frases de efeito. “Ninguém nunca ganhou uma partida de xadrez abandonando”, era uma de suas mais famosas. A simplicidade óbvia da declaração poderia ser muito útil caso adotada na prática, sobretudo na política internacional, sobretudo se a fosse pelo presidente Jair Bolsonaro. Quem sabe se conhecesse um pouco da estratégia do enxadrista, o Messias poderia ter evitado mais um xeque-mate anunciado pelo presidente americano contra o Brasil.

A jogada aconteceu na sexta-feira (17). No (virtual) Fórum das Grandes Economias sobre Energia e Clima organizado por ele, Joe Biden recuou a peça do gás carbônico como o vilão do aquecimento global e elegeu o metano (CH4) como novo o mal a ser combatido. Até o momento quase esquecido, o CH4 é de fato perigoso. Segundo o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em um intervalo de 100 anos o gás aquece de 28 a 34 vezes mais que o CO2, o que significa que entre 30% e 50% do aumento das temperaturas se deve a ele. Diante dos dados, Biden usou o encontro com a presença de líderes de Argentina, Bangladesh, Coreia do Sul, Indonésia, México, ONU, Conselho Europeu e União Europeia para comunicar que usará a COP-26 (novembro, na Escócia) para exigir que os países se comprometam a reduzir em 30% suas emissões de CH4 até 2030. Jair Bolsonaro não participou da partida.

Só que – sempre tem um porém – uma das principais fontes de emissão do metano é a agropecuária, atividade que rendeu ao Brasil US$ 100,81 bilhões em exportações no ano passado, colocando o País no segundo lugar do ranking global de fornecedores de alimentos, perdendo para… os Estados Unidos. Sem a presença de Bolsonaro, Biden criou mais um argumento a ser usado contra a expansão do setor no Brasil, que já sofre com a reputação de ser o principal responsável pelo desmatamento da Amazônia, além das consequências dos números que apontam como principais fontes de emissão de gases de efeito estufa no País o uso da terra e da floresta (44,5%, em 2019) e a agricultura (27,52%).

A narrativa americana, ainda que embasada na urgência do controle da temperatura do planeta, faz bem ao plano estadunidense de continuar como a grande potência global mesmo nos novos paradigmas da economia verde. E não adianta chiar. As regras do xadrez diplomático são conhecidas e passam pela luta dos líderes em proteger as economias que governam. É o que Biden está fazendo em uma agenda não declarada, mas com pontos previsíveis.

Com suas recentes jogadas, o presidente americano traz dois importantes grupos para a sua base. Os ambientalistas e os produtores rurais. Vale lembrar que em um documento público feito pelo lobby dos agropecuaristas americanos, o Farms Here, Forest There, defendem que se conseguissem o “fim dos desmatamentos e incentivar a ação climática internacional, os Estados Unidos impulsionariam a receita agrícola [local] em cerca de US$ 190 bilhões a R$ 270 bilhões entre 2012 e 2030”. Outro ponto em jogo é a liderança da economia verde.

Ainda que os valores do potencial de receita gobal do novo modelo sejam questionáveis por falta de estudos mais profundos, a secretária de Energia dos Estados Unidos, Jennifer Granholm, usou a Cúpula de Líderes sobre o Clima (abril de 2021) para afirmar que a transição para uma economia mais limpa representa uma oportunidade de negócios de US$ 23 trilhões até 2030. Qual a dúvida de que os Estados Unidos usarão as ferramentas que podem para abocanhar a maior parte desse bolo, a despeito de ser um dos maiores poluentes do planeta com o segundo lugar (13,6% das emissões de GEE), perdendo somente para a China (23,9%). A atitude dos Estados Unidos, porém, é esperada.

O jogo diplomático tem regras que, ainda que não escritas, são conhecidas de todos. Cada um defende o seu rei da forma que pode e, como Tartakower ensinou há um século, há somente uma maneira de nunca ganhar no tabuleiro: abandonando o campo de batalha.

Lana Pinheiro é editora de ESG da DINHEIRO.