No fim de abril, a Ford completa cem anos de operação no Brasil. O clima na subsidiária, no entanto, está longe de lembrar uma festa. Na terça-feira 19, a montadora americana anunciou que irá fechar as portas da sua fábrica em São Bernardo do Campo (SP). Um dos símbolos da antiga vocação do ABC Paulista, a unidade era a única da empresa voltada à produção de caminhões na América do Sul. Além da saída do segmento na região, a companhia deixará de produzir o modelo Fiesta. O processo está previsto para ser concluído no decorrer de 2019 e a projeção é de uma baixa contábil de US$ 460 milhões. Cerca de 2,8 mil funcionários da Ford serão dispensados. Outros 1,5 mil, hoje empregados por fornecedores da região, correm o risco de serem demitidos. Um levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estúdios Socioeconômicos (Dieese) estima um impacto potencial maior, de até 24 mil vagas em toda a cadeia do setor.

Já esperada pelo mercado, a decisão vem à tona menos de um mês depois de a General Motors ameaçar deixar o Brasil. As alegações de ambas são similares. No mapa de operações da Ford, a operação sul-americana registra, há tempos, resultados deficitários. Em 2018, o prejuízo operacional na região foi de US$ 678 milhões. “A manutenção do negócio teria exigido um volume expressivo de investimento para atender à necessidade do mercado”, afirmou Lyle Watters, presidente da montadora na região, em comunicado. “Sem, no entanto, apresentar um caminho viável para um negócio lucrativo e sustentável.”

A estratégia de cortes da Ford não se restringe ao fechamento da fábrica no ABC. Em meados de janeiro, ela já havia anunciado o objetivo de reduzir em mais de 20% os custos da sua operação na América do Sul, como parte de uma ampla reestruturação global. Entre outros fatores, o escopo inclui maior ênfase nas categorias SUVs e picapes, além das parcerias globais, nos moldes da aliança anunciada recentemente com a Volkswagen.

BRAÇOS CRUZADOS Se a Ford parece ter traçado um roteiro para reverter os maus resultados no longo prazo, a empresa tem, de imediato, problemas para contornar no País. Em assembléia realizada logo após o anúncio, os funcionários da montadora na fábrica de São Bernardo decidiram entrar em greve. Uma nova reunião foi convocada para o dia 26, a fim de decidir os próximos passos. Em nota, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM) repudiou a medida e afirmou que a decisão é “irresponsável e perversa”, pois “só visa o lucro e despreza compromissos assumidos” com a categoria.

Segundo fontes ouvidas por DINHEIRO, a iniciativa faz sentido do ponto de vista da sustentabilidade do negócio. “Em caminhões, já há três grandes players no mercado. Não é viável para a Ford correr atrás com uma operação deficitária”, diz Milad Neto, analista da consultoria Jato Dynamics, em uma referência às líderes Mercedes-Benz, Volkswagen (controladora das marcas Man e da Scania) e Volvo.

A escolha da empresa por priorizar os SUVs também é vista como acertada. Mesmo nos últimos anos, quando a crise fez com que as vendas de automóveis no País caíssem mais de 50%, o segmento manteve bom desempenho. Só em 2018 o crescimento nessa faixa foi de 24,38% (contra 14,6% no mercado como um todo). Com o Ecosport, a Ford foi pioneira na categoria no Brasil. Defasado, o modelo e perdeu espaço nos últimos anos. Há mais desafios adiante. “O fechamento da fábrica trará uma repercussão negativa”, afirma um executivo do setor, sob anonimato. “Essa medida ficará na cabeça dos consumidores e a Ford vai precisar trabalhar fortemente nos preços e descontos para evitar uma eventual queda nas vendas.”