A pouco mais de um ano para as eleições de 2018, marcadas para 8 de outubro, o governo corre contra o tempo para aprovar as reformas. No entanto, conforme o calendário eleitoral avança, mais difícil se torna aprovar as mudanças que ajustarão as contas públicas e aumentarão a competitividade. O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Ernesto Lozardo, afirma que os projetos, como estão, podem evitar o colapso fiscal, mas precisarão de ajustes no futuro. “A reforma completa (da Previdência) não será feita agora e complementos terão de ser feitos depois”, diz. À frente do instituto desde junho de 2016, Lozardo diz que o Ipea tem trabalhado na elaboração das novas leis e garante que, para o País não perder outro momento de crescimento global, precisa aprovar as reformas já. Porém, avisa: “Infelizmente, crescer mais de 3% ao ano não dá.”

DINHEIRO – Qual o peso que as reformas têm sobre a sustentabilidade das contas públicas?

ERNESTO LOZARDO – É fundamental para a sustentabilidade as reformas que estão faltando, em especial a da Previdência e a tributária. Não podemos esquecer de variáveis que pesam sobre a economia, como os custos de capital e de produção, a taxa de juros e os impostos. Para melhorar a produção, fizemos a reforma trabalhista, que tem um impacto positivo sobre o custo da mão de obra. A tributária vai ajudar a reduzir o custo da burocracia e a eliminar a tributação crescente na cadeia de produção. Já a previdenciária bate no custo de capital. A Previdência representa 54% do gasto primário do governo. Se nada for feito, em 2020, esse custo representará 79% da despesa primária. Isso significa que não haverá dinheiro para o Bolsa Família, para os salários, para a saúde, para a educação, para os investimentos. Não conseguiremos cumprir o teto fiscal. Mas, com a sua aprovação, com a existência do teto de gastos e com as demais reformas, colocamos uma pá de cal sobre as taxas elevadas de juros. Por outro lado, sem a reforma da Previdência, o teto fica vulnerável e viveremos o retorno da inflação e do baixo crescimento.

DINHEIRO – O teto de gastos tornou-se uma bomba relógio. Quanto tempo até o colapso das contas públicas?

LOZARDO – O que aconteceu com o teto é o mesmo que se deu com o Plano Real. Queriam dar mais seis meses para migração para o Real porque ainda havia muitos preços desalinhados. Mas o governo não quis esperar, porque tinha um prazo político. Quanto ao teto, não é possível saber se era melhor aprová-lo depois. Mas isso serviu para que daqui em diante existissem regras e prioridades. Agora, o Parlamento vai ter que discutir o que é mais importante.

DINHEIRO – Mas a bomba relógio está ligada.

LOZARDO – Sem as reformas, iremos para o buraco. O déficit de R$ 159 bilhões não se mantém. Só há uma saída: ou se aumentam os impostos, ou a dívida. Qualquer que seja a escolha, levará ao aumento do custo de capital e da inflação. Tudo era para estar aprovado até junho deste ano. Mas essa confusão política atrapalhou todo o cenário. Tínhamos armado um espetáculo na Praça dos Três Poderes, mas veio um temporal e estragou a festa. O que postergamos foi só o momento. Agora, se não vier a reforma, o teto vai mesmo estourar. Ela é fundamental para termos equilíbrio orçamentário.

DINHEIRO – O Congresso entende a gravidade?

LOZARDO – Não subestime a capacidade da classe política brasileira. Quando ela quer alguma coisa, ela faz em 15 dias. Depois de afastada essa nova denúncia contra o presidente Michel Temer, acho que ele tem condições de voltar rápido aos trabalhos. Os parlamentares da base já falam em ter os 308 votos necessários para aprovar a Previdência. Não duvido que consigam aprovar. Quando eles querem fazer, fazem. Claro que isso vai custar politicamente.

DINHEIRO – O projeto da reforma da Previdência já foi muito modificado. O texto atual conseguirá resolver os problemas?

LOZARDO – A reforma que está tramitando não é a proposta do governo. Houve algumas mudanças por exigência dos parlamentares. O que a Comissão Especial da Reforma da Previdência sugere é uma reforma possível, mas não a ideal. A reforma completa não será feita agora e complementos terão de ser feitos depois. Mas, mesmo assim, conseguiremos estabilizar o crescimento do déficit da Previdência entre 9% e 9,5% do PIB. Hoje, se nada for aprovado, o déficit chegará a 16% em 2027. Isso só com o regime previdenciário geral. Não estamos falando de todas, que incluem a Previdência dos Estados. Se construirmos essa reforma, estabilizarmos seu déficit, vamos começar a ter um crescimento mais sustentável.

DINHEIRO – Qual o limite para a deterioração do projeto?

LOZARDO – A reforma já foi bastante reduzida em seu escopo geral. Pensávamos em um ganho de R$ 800 bilhões nos próximos 10 anos e agora estamos falando em R$ 600 bilhões. Não é pouco R$ 200 bilhões a menos. É melhor do que não ter nada. Sem isso, vamos voltar a falar da volta da inflação e do aumento da dívida pública. Vamos minar o crescimento econômico. Com a aprovação, o cenário é outro. A reforma melhora a distribuição de renda e elimina o inimigo comum de todos: a inflação.

Senado durante votação da Reforma Trabalhista. Projeto
foi aprovado à toque de caixa (Crédito:Edilson Rodrigues )

DINHEIRO – O que o senhor acha do privilégio dado aos políticos por eles próprios?

LOZARDO – Em 2016, a média de valor de aposentadoria do legislativo foi de R$ 28 mil por mês. O teto do INSS é R$ 5.530 por mês. Há uma discrepância muito grande. É preciso de uma reforma que traga uma convergência. Outro problema é o quanto custa o déficit previdenciário do sistema geral e o sistema próprio de funcionários da União e dos Estados. Temos R$ 138 bilhões de déficit anual no regime geral para 54 milhões de contribuintes. No outro sistema, temos R$ 160 bilhões de déficit em um programa atendido por 3,6 milhões de contribuintes. No geral, o custo é de R$ 2,5 mil por ano por cada que contribui com a Previdência, enquanto que nos regimes próprios o custo anual é de R$ 44,4 mil. É mais de 17 vezes o tamanho do geral. Aprovando a reforma, esse custo começará a convergir conforme as pessoas vão morrendo.

DINHEIRO – Quanto a aprovação da reforma da Previdência custará politicamente ao governo?

LOZARDO – O Congresso está vivendo uma situação muito difícil. Os parlamentares estão enfrentando investigações, delações, escândalos de corrupção… Isso criou uma instabilidade em seus projetos partidários. Porém, isso não quer dizer que eles não entendam a importância das reformas. Na cabeça do parlamentar, o momento político não está para reformas. O momento deles é outro. Eles estão prestando contas de suas vidas pessoais à sociedade. Isso mudou um pouco a ordem das coisas. Em vez de explicar a importância das reformas, eles precisam justificar sua legitimidade política, sua idoneidade. É uma situação muito dúbia. Mas, apesar dessa situação política muito desagradável, o País está crescendo. E por quê? Há governabilidade. O Planalto está conseguindo coordenar os interesses do Estado dentro do Congresso. Isso é uma coisa inusitada. Em outra situação, um presidente estaria pensando mais em seus interesses políticos. E não vejo o presidente preocupado com isso.

DINHEIRO – Temer tem esse projeto de ser um presidente reformista. O senhor acredita que, caso ele não consiga aprovar essas outras reformas, seu legado será pequeno?

LOZARDO – Ele fez muitas reformas: a trabalhista, a do ensino médio, o teto de gastos… Ele está provando em pouco mais de um ano que fez mais do que muitos outros. Se tirarmos o Plano Real, percebemos que Fernando Henrique Cardoso demorou muito mais tempo para implementar suas reformas.

DINHEIRO – Qual serão os vetores de crescimento?

LOZARDO – Os vetores de crescimento são vários. Os bancos privados estão altamente capitalizados. Vários bancos centrais reformularam seus sistemas bancários em relação ao risco. A Convenção de Basileia passou a fazer regulamentações mais rígidas em relação aos requerimentos de capital dos bancos. A expansão monetária realizada por Estados Unidos, Europa e Japão reduziram o custo de capital. Foi feita uma emissão de moeda gigantesca no mundo. As empresas se refizeram, os bancos se reorganizaram, se recapitalizaram, a crise do Euro entre os países periféricos não culminou na ruptura do bloco – o que se deveu a uma segurança maior dada pelos bancos aos investidores. Isso deixou as economias mais ágeis para lidar com as crises. E, no meio do caminho, com a não deterioração de renda da população mundial, não houve uma piora da desigualdade de renda. Agora, a economia mundial se prepara para um crescimento em um contexto asiático. A própria Ásia está muito mais voltada para sua própria região. Antes, o interesse estava nas exportações para Europa e Estados Unidos. A região está mais integrada, robusta e tecnologicamente avançada. Será a próxima a se equiparar aos países desenvolvidos. Tudo isso dentro de um novo acerto monetário internacional, no qual o yuan (a moeda chinesa) é aceito em todo o mundo, o euro é mais forte e o dólar, nem tanto.

DINHEIRO – Qual o papel do Brasil nisso?

LOZARDO – O Brasil entra nesse momento de recuperação global com um projeto reformista, que cria oportunidades aos investidores. Eles olham para o Brasil e veem um País que, após uma crise com ruptura, um novo governo está construindo uma base para aprovar reformas. O único legado que esses parlamentares terão em 2018 serão essas reformas. Se isso acontecer, a partir de 2019, podemos ter um crescimento sustentável de 3% ao ano, que virá do ganho de produtividade.

Novo laboratório da farmacêutica Biolab, em Minas Gerais, consumiu R$ 450 milhóes em investimentos (Crédito:Divulgação)

DINHEIRO – Um crescimento de 3% deveria ser comemorado por um País desenvolvido, como os Estados Unidos. No Japão seria espetacular. Mas, para o Brasil, 3% é insuficiente para diminuir a diferença que temos para os países desenvolvidos.

LOZARDO – Infelizmente, crescer mais de 3% ao ano não dá. O envelhecimento da população é muito grande. Já acabou o bônus populacional. Não adianta tentar crescer mais do que isso. O único vetor que vai nos favorecer é o aumento da produtividade. A reforma trabalhista colocou parte disso para dentro das empresas. Essa reforma foi uma proposta moderna, tão moderna quanto a própria criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943. Ela vai marcar uma época. A previdenciária, idem. A tributária, se avançarmos com a criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) federal, estadual e municipal, ganharemos uma eficiência tributária grande. Hoje, a ineficiência é um ralo por onde vaza a sonegação e outros problemas tributários.

DINHEIRO – Além das reformas, o governo aposta nas privatizações. Mas sobre o caixa, a venda de ativos tem impacto limitado. Como o Ipea vê essa proposta?

LOZARDO – A questão da privatização é de extrema importância. Primeiro, dá transparência e encaminha o País para acabar com essa marca da área pública em que tudo tem que ter uma propina. Segundo, traz eficiência de gestão. Terceiro, as empresas, que passam a ser lucrativas, continuarão contribuindo na forma de impostos. Estamos muito perto de dar um passo para a modernidade. O governo poderá dar prioridade à saúde, à educação, ao combate à pobreza, à segurança. São essas as prioridades que cabem ao Estado. O setor público, no limite, só deve dar os primeiros passos em um setor chave quando a iniciativa privada não consegue dar.