O Relatório de Inflação divulgado pelo Banco Central nesta quinta (30) confirmou algumas previsões que já haviam sido apresentadas na última ata do Comitê de Política Monetária (Copom) e apresentou novidades como a possibilidade de ampliação do ciclo de alta da taxa de juros

Convidamos o economista Paulo Gala, mestre e doutor em Economia pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, para analisar o documento e comentar seus pontos de destaque:

“O BC deixa bem claro a hipótese de juros neutro de 3% que é uma ideia de taxa de juros que não acelera e nem desacelera a economia, ou seja, que não está estimulando a economia para que ela cresça muito e nem desestimulando para que ela entre em território recessivo e contracionista. O documento deixa claro que, na visão dos diretores do Banco Central, o valor do juros neutro é de 3%”, comenta Gala.

O economista também destaca sobre o Banco Central do Brasil ter apresentado no relatório uma previsão de inflação em 3,7% para 2022 e disse: “se o juros neutro é de 3%, eles trabalham com uma hipótese de que uma Selic no valor de 6,7%, em 2022, seria uma taxa de juros neutra. No entanto, o BC já informou, na última ata do Copom e no relatório trimestral, que eles têm uma visão de que a Selic precisa ir para um território significativamente contracionista. Não é explicitado o que é esse significativamente, mas obviamente que a pergunta que todos querem saber é “onde a Selic para? Qual é o nível final de Selic?” Se é com 8,5%, 9% ou 10%, enfim. O próprio BC não tem essa resposta, deixando claro na apresentação. O que eles apresentam é que consideram o pace de 1% um valor adequado para dar o tempo que a instituição precisa para interpretar os dados da economia, de inflação, de crescimento, etc.”

O documento também reiterou a ideia de que a política monetária da Instituição deve continuar seguindo um ritmo contracionista para o país. Paulo Gala aplicou as previsões em um cenário real para entendermos qual seria o futuro da situação econômica para o ano seguinte:

“Com 3% de juros neutro e de inflação a 3,7% , que é a previsão que o BC coloca para 2022, estaríamos trabalhando com um valor total de 6,7%. Para um terreno significativamente contracionista poderíamos considerar uma Selic que chegasse a 8,5%, 9% ou 9,5%. Agora, considerando que 2 pontos porcentuais acima de uma Selic neutra, de 6,7%, seria um valor de 8,7%. Isso nos dá uma ideia de onde o BC está mirando. Obviamente, que não dá para dizer de antemão o que vai acontecer com a trajetória de inflação nos próximos meses. Ainda está muito dependente dos choques de oferta e o relatório de inflação deixa isso bem claro. Na decomposição do que causa a inflação no Brasil hoje, os grandes vilões são: os preços de energia, especialmente energia elétrica, combustíveis e os alimentos, que seguem pressionados. Isso tem a ver com a interrupção de cadeias globais, as cadeias produtivas. Então, se esses preços se estabilizarem ou começarem a cair no ano que vem, a convergência para a inflação pode ser bem mais fácil.”

O objetivo do Banco Central é que, com um juros neutro a 3% e mantendo a Selic em um terreno significativamente contracionista, a inflação possa se converter para 3,5% no ano que vem.

Gala observa que a previsão de inflação para 2022 ainda é de 3,7%, segundo o cenário apresentado pelo Copom. Em sua análise, essa é uma previsão ousada e lembrou que a conversão da inflação seria um cenário bastante benéfico, mas que depende de fatores como o preço de commodities, principalmente de energia, para que possa haver uma convergência para 3,5% no ano que vem.

Ainda assim, o economista lembrou que o Banco Central insiste e reitera a informação de que estão trabalhando para a ideia de convergência de inflação para 2022.

Em resumo, o Relatório de Inflação divulgado pelo órgão apresenta as principais mensagens destacadas abaixo:

– A Selic continuará seguindo para um território significativamente contracionista;
– O juros real neutro é 3%;
– A economia continuará com ociosidade ou hiato;

“O que é o hiato? Isso quer dizer que a economia brasileira continua com um nível de ociosidade muito grande, com desemprego muito elevado, trabalhando bastante aquém do potencial dela.” explica Paulo Gala.

E completa:

“O BC também reforçou que houve uma mudança na avaliação do órgão em relação ao hiato, ou seja, a distância da economia brasileira em relação ao potencial dela continuará elevada durante o ano de 2022. A economia vai fechar o ano de 2022 ainda com um hiato relevante. O que quer dizer que o Brasil vai continuar operando com uma capacidade ociosa enorme, com bastante desemprego, o que é, obviamente preocupante.”