Centenária, a distribuidora quer modernizar e ampliar seus ativos no País e já tem um plano desenhado: ser líder absoluta na geração de energia limpa no território nacional.

Principal ativo da chinesa State Grid – a maior empresa do setor elétrico no mundo – em território brasileiro, a distribuidora CPFL Energia vai investir quase R$ 2 bilhões para expandir e modernizar suas operações no Brasil, além de acelerar os projetos de energia renovável. Com faturamento de R$ 30 bilhões em 2019, a companhia abre caminho para aquisições nos leilões do setor e, em entrevista à DINHEIRO, o CEO da companhia, o executivo Gustavo Estrella, conta como a CPFL enfrentou as dificuldades da economia nos últimos meses e será a rota da retomada.

DINHEIRO — Como tem sido 2020 para a CPFL e como a pandemia impactou os negócios e a rotina da empresa?
Gustavo Estrella — É um ano desafiador para todos. Assim como a maioria das empresas, tomamos a decisão de começar o nosso home office em meados de março. Dos 13 mil colaboradores, colocamos 4 mil em home office de uma vez só. Não pudemos colocar todos em isolamento porque temos 9 mil eletricistas que continuaram nas ruas. E nossa grande preocupação era preservar a saúde e a segurança do nosso time que não parou.

Foi difícil garantir o fornecimento?
Não. A energia é um serviço essencial. Nesse momento, mais ainda. A gente teve muita dificuldade naquela época em questões legais e judiciais. Tivemos de criar um ambiente para que a gente conseguisse preservar nosso time na rua. Temos um comitê de crise que até hoje discute como está a evolução da pandemia, o impacto nos nossos negócios e os planos de ação. Isso deu uma serenidade na tomada de decisão. Hoje, passados quase sete meses, temos um cenário de mais estabilidade, mas ainda de incerteza. A companhia segue mobilizada e já temos aqui várias lições aprendidas ao longo desse período. Até mesmo com o home office, em que não tínhamos certeza se nossos sistemas funcionariam remotamente, não temos mais nenhum receio.

Então, o home office pode ser permanente?
Será. Não voltaremos a trabalhar da forma como a gente trabalhava. Certamente a gente vai ter um trabalho de home office daqui pra frente. Tivemos alguns cases de muito sucesso, em algumas áreas que tem, de fato, características de trabalho home office em que a gente viu um aumento de produtividade e de eficiência no trabalho em home office. Então, certamente vamos ter uma política para isso.

Se houver uma segunda onda, a CPFL vai estar preparada?
Sim, porque o risco de uma segunda onda continua e é importante manter e preservar essa mobilização. A gente observa que em outros países há o início de uma segunda onda e, no Brasil, como a primeira demorou para começar a cair, devemos ter ainda um volume de casos e de mortes.

Vocês precisaram demitir?
Não fizemos demissão. Nenhuma.

A CPFL teve de rever ou adiar algum investimento neste ano?
Decidimos preservar nossas estratégias de longo prazo e, por isso, não mudamos nenhum investimento da companhia. Temos plano de investir mais de R$ 2 bilhões neste ano, exatamente o volume de investimento aprovado no ano passado. O que fizemos foi segurar alguns meses os investimentos. Mas retomamos o planejamento, mantendo o orçamento original. Nossa ideia, de fato, é olhar na perspectiva de médio e longo prazo.

“Na pandemia, tivemos de criar um ambiente para que a gente conseguisse preservar nosso time nas ruas” (Crédito:Divulgação)

Mesmo com tanto investimento, a CPFL teve uma disparada de queixas dos clientes pelo site Reclame Aqui, que cresceram 23,7% entre março e junho, justamente no período de pandemia. O que explica isso?
Tivemos um cenário de muita incerteza e instabilidade e isso, obviamente, afeta a CPFL também. Então, trabalhamos com isso na pandemia. Tivemos de fechar todas essas agências de atendimento. Obviamente, isso traz reflexo também para o nosso cliente. Essa conjuntura explica o aumento grande no número de chamadas no nosso call center durante esse período. O cliente querendo tirar dúvida, reclamações na agência reguladora e, ao mesmo tempo, a gente não podia fazer o corte por falta de pagamento por um prazo. Então, é natural que num momento de muita mudança, sem planejamento, os nossos clientes tenham sido afetados.

A proibição do corte de energia teve impacto significativo nas finanças da CPFL?
Teve no começo. De forma geral, foi um impacto limitado pelo aumento da inadimplência. Ficamos quatro meses sem poder fazer cortes, mas já voltamos a fazer. Mas o impacto foi menor do que imaginávamos. A principal ferramenta de cobrança é o corte, mas, mesmo hoje, somos cuidadosos no corte. Temos uma campanha para estimular os clientes a fazer renegociação das contas em aberto.

Por que a CPFL decidiu investir R$ 1,8 bilhão em projetos de sustentabilidade?
Há uma mudança positiva do mercado. Cada vez mais, nossos stakeholders, sejam clientes ou investidores, cobram posicionamento em relação à sustentabilidade. Por uma razão simples: temas como mudanças climáticas e as questões sociais afetam muito a vida das pessoas. Essa cobrança é positiva porque faz a companhia, de fato, assumir responsabilidades. É um esforço conjunto de várias frentes para que a gente consiga ter sucesso num tema que é fundamental para a sociedade.

Como esses temas influenciam o setor de energia?
Olhando para o setor elétrico, a gente gera, distribui e transporta energia há 100 anos praticamente da mesma forma. Não há muita mudança. Mas, daqui para frente, vai ser completamente diferente. A energia limpa tem cada vez um papel mais relevante na matriz elétrica, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Então, a dinâmica do negócio também está mudando. Hoje tem um termo que tem sido usado largamente no setor que são os três D: descentralização, descarbonização e digitalização.

No dia a dia, o que essa sigla significa?
Descentralização, basicamente, é mudar a forma de como a gente gera nossa energia. Cada vez mais, vamos ver a nossa geração perto dos pontos de carga. Além de próxima, a nova energia é primordialmente limpa, como eólica e energia solar, principalmente. Vamos entrar cada vez mais nesse mercado. Já a descarbonização é um desafio mundial. Quando a gente olha para o setor de energia no Brasil, há uma vantagem enorme em relação ao restante do mundo. Hoje 80% da nossa matriz é pura, primordialmente hidráulica, mas também com solar e eólica. No mundo é quase o inverso, com a matriz ainda muito suja. Cerca de 70% dessa matriz não é renovável. Com isso, o desafio para o resto do mundo é muito maior que o nosso, então a nossa perspectiva é muito positiva. O último item, a digitalização, é, por exemplo, o cliente escolher deixar de receber a conta física e migrar para a conta por meio digital. Em três meses, isso aconteceu com 3 milhões, um aumento de 50%, fruto da pandemia. Os meus atendimentos digitais hoje já são mais de 90%, com pouquíssimo atendimento presencial.

Além da energia eólica e solar, a CPFL tem planos de investir em mais energia limpa?
Somos hoje já o maior player de energia renovável do Brasil, através da CPFL Renováveis. A nossa planta é muito focada em geração eólica. A solar é um pouco mais recente, mas vem com força. Tivemos ganhos também com as PCHs [pequenas centrais hidrelétricas e de biomassa] que, além de limpa, são sustentáveis e competitivas. A energia limpa no passado precisava de subsídio, mas os preços caíram e hoje concorre de igual para igual. Dá para ter energia limpa e competiviva.

“A energia elétrica tem cada vez um papel mais relevante na matriz energética, e não só no Brasil, mas no mundo inteiro” (Crédito:Istock)

O fato de a State Grid, controladora da CPFL, ser de origem chinesa pode gerar algum problema nos planos de longo prazo, com a tensão no Brasil e nos EUA com relação à China?
A CPFL está muito bem alinhada com nosso acionista. Nossa perspectiva é sempre de longo prazo. Então, seja qual for o ambiente, acredito que os investimentos chineses deverão continuar no Brasil. Eles compraram a CPFL em 2017, desenharam o nosso plano com perspectiva de longo prazo e tem sido assim desde então. As nossas discussões em relação à expansão de mercado, aos investimentos, ao uso de aplicação de tecnologia e automação são sempre feitas com uma perspectiva de longo prazo. Então, não vejo qualquer interferência no nosso plano por questões externas. A nossa filosofia continua sendo essa perspectiva de longo prazo. É um investimento supersaudável. A CPFL é o primeiro ativo de distribuição que a State Grid tem no Brasil. Eles trazem muita experiência, várias tecnologias que a gente vinha testando. É um investimento positivo não só para a CPFL, mas para o País, de uma forma geral.

Existe a expectativa de que o governo retome as privatizações no setor elétrico no ano que vem. A CPFL tem interesse em algum ativo?
Sendo um dos maiores grupos de energia do Brasil, o maior em distribuição e o maior em geração renovável, é natural que a gente aproveite essa expertise, esse know-how, para crescer. Temos uma história de expansão via aquisições. Em 1997, a CPFL Paulista. Depois vem a Piratininga, Santa Cruz… Desenvolvemos uma série de projetos de geração hidráulica, depois, basicamente, de energia eólica. Então, essa é a história, esse é o DNA, endereçar crescimento com excelência em operação.

Então vem compra…
Obviamente, quando a gente vê a perspectiva de consumo no País, a única forma de crescimento que a gente tem aqui é crescimento de aquisição. A ideia é que a gente continue olhando para esse plano, fazendo isso em cima de um dos pilares do nosso plano satélite, que é o sistema financeiro. A gente precisa ter um cenário que combine crescimento com perspectiva de relação de valor para os acionistas.