O relato foi feito por um executivo de uma seguradora americana a seu colega brasileiro. Um incêndio destruiu a casa de uma família nos Estados Unidos. A companhia de seguros foi acionada pelo proprietário, que esperava receber logo o valor de sua apólice. Mas, durante a inspeção, um fato chamou a atenção do perito da seguradora: nenhuma foto ou porta-retrato da família foi perdido no incêndio. Ao cruzar essa informação com outros dados estatísticos, o sistema da seguradora indicou que havia alta probabilidade de ser uma fraude. Uma investigação detalhada confirmou a informação. O seguro não foi pago e o cliente, processado. Casos como esse acontecem em todo o planeta. Especialistas calculam que, anualmente, o volume global de fraudes em seguros seja de US$ 300 bilhões. Estudo realizado pela consultoria A.T. Kearney estima que, no Brasil, o prejuízo pode chegar a R$ 3,6 bilhões. Por aqui, as fraudes equivalem a pouco mais de 20% do valor total de sinistros pagos no ano passado, que somou R$ 17 bilhões. O aumento dos casos, que aliado à crise econômica reduziu o faturamento do setor, fez as seguradoras brasileiras declarar guerra à fraude. Recentemente, a Federação Nacional das Seguradoras criou uma diretoria específica para combater as fraudes, com um orçamento de R$ 4 milhões. Outras seguradoras criaram seus próprios exércitos para entrar na batalha.

?A necessidade fez a gente se mexer?, afirma Marcus Vinicius Martins, diretor de auditoria da Sul América Seguros. A seguradora tem uma superestrutura de combate a fraude, incluindo um disque-denúncia. Das 19.572 ligações recebidas, 830 eram denúncias procedentes. ?Já economizamos R$ 2,5 milhões em sinistros fraudulentos não pagos, bem menos do que gastamos para implementar o sistema?, diz Martins. Atualmente, a seguradora trabalha na implantação de um sistema de cruzamento de dados estatísticos, semelhante ao usado no caso da seguradora americana, que entrará em funcionamento no ano que vem. O objetivo da Sul América é barrar o pagamento de R$ 10 milhões em benefícios irregulares. ?Se conseguirmos uma queda de 5% no volume de fraudes, é possível reduzir o preço dos seguros nessa mesma proporção?, prevê o executivo.

Dados cruzados. Na Ace Seguradora, os gastos também diminuíram desde que a companhia criou medidas para inibir os abusos. Quando começou a oferecer seguro contra roubo de celular no País, a Ace reembolsava o valor do aparelho. ?Hoje, entregamos um modelo igual ou similar ao aparelho roubado, com o mesmo número do telefone antigo?, observa Acacio Queiroz, presidente do conselho administrativo da Ace, que criou uma equipe de auditoria para investigar as fraudes na companhia. ?Com essa medida, nosso volume de sinistros caiu 10%.? Além dessa estratégia, a Ace implantou um sistema que cruza os dados dos clientes, da seguradora, dos corretores e da operadora de telefonia celular. Com isso, não dá para reclamar o roubo de um celular que esteja funcionando. Com 300 mil celulares segurados no País, o volume de apólices pagas varia de 0,6% a 0,8%. Índice alto, se comparado a outros países. Na Argentina, por exemplo, o sinistro de celulares é de 0,35%. Com tantas fraudes, o ganho da seguradora fica reduzido, aumentando o preço final do seguro para o consumidor.

É por isso que cresce entre as seguradoras brasileiras a posição de não apenas evitar o pagamento das fraudes, mas também punir os fraudadores. ?Quando descobrimos um caso, vamos às últimas conseqüências?, defende Marcelo Blay, vice-presidente da Itaú Seguros. ?Não adianta só cancelar o pagamento. Tem de abrir inquérito policial e processar o criminoso.? Para dar suporte às investigações, a Itaú Seguros conta com um software da IBM. ?O programa aponta coincidências exageradas, que podem ser indícios de fraude?, explica Blay. O software, que foi desenvolvido no Brasil, já proporcionou uma economia de R$ 10 milhões em sinistros não pagos na carteira de automóveis e deverá ser ampliado para outros segmentos. Os estudos mostram que essa é uma área em que vale a pena investir. Segundo levantamento da A.T. Kearney para a Fenaseg, cada R$ 1 investido no combate aos pagamentos irregulares gera uma economia de R$ 3. ?As seguradoras já perceberam que todo investimento feito no combate a fraude tem retorno garantido?, afirma Sérgio Duque Estrada, responsável pela recém-criada diretoria de prevenção e redução de fraudes da Fenaseg.