Esse pessoal de sangue japonês é curioso. O povo de origem nipônica ganhou fama mundial por ser super disciplinado, muito metódico, educadíssimo e, claro, altamente inteligente e trabalhador. Mas há, também, uma virtude que pouco chama a atenção, talvez por ser colocada em prática por eles com bastante parcimônia: o bom humor. Todas as características acima se encaixam perfeitamente na personalidade do chef Jun Sakamoto, 54 anos. Considerado o melhor sushiman do Brasil, com três badalados restaurantes em São Paulo e dono de uma estrela Michelin, ele consegue brincar e falar sério na mesma frase, entre outra palavra e outra. É assim, por exemplo, que explica como foi convencido a ministrar um curso de sushi na Curseria, plataforma digital que oferece aulas de vários setores, com gente renomada em sua área, como os jornalistas Pedro Bial (escrita) e Alexandre Garcia (educação política), o chef Henrique Fogaça e a lutadora Kyra Gracie (defesa pessoal para mulheres).

Sakamoto nunca havia dado aulas de gastronomia. Na verdade, de coisa alguma. E nem pensava no assunto. Culpa da cultura japonesa. “No Japão, há a filosofia de que o professor não ensina nada. O aluno é que tem de roubar o ensinamento do mestre”, conta. Sendo assim, ele preferia ficar com seus conhecimentos para si. Até que a pandemia do corononavírus o obrigou a rever seus conceitos. Com a crise, seus restaurantes tiveram de fechar as portas e a coisa complicou. Passou a atender no sistema delivery – algo que nunca havia feito –, tendo como um dos pratos mais pedidos o combinado Sushi Itininmai, com vinte peças e que custa R$ 200 (tel. 3088-6019, só para a cidade de São Paulo). O faturamento, no entanto, não chega nem à metade dos tempos pré-Covid-19. “Quando me convidaram para ministrar o curso, confesso que fiquei na dúvida. Mas, por questões financeiras, pensei: ‘Vou parar de frescura’”. Parou. O negócio começou, engrenou e virou sucesso.

TRABALHO E DIVERSÃO Sakamoto costuma dizer que consegue conciliar sua profissão ao prazer. Em seu restaurante da rua Lisboa, em São Paulo (acima), ele faz questão de ficar atrás do balcão, servindo os clientes. “Fico super feliz vendo o pessoal curtindo nossos pratos”, diz. (Crédito:Divulgação)

Com o curso intitulado “A Arte do Sushi”, ele já formou mais de 1 mil alunos, de cerca de dez estados do País, a maior parte de São Paulo (cerca de 40%) e do Rio de Janeiro (quase 30%). Como cada aprendiz paga R$ 1.235, a conta é simples: o curso já rendeu mais de R$ 1,2 milhão. Quanto fica para Sakamoto e quanto cabe à Curseria as partes não divulgam. Mas é, sem dúvidas, uma bela grana. E vai melhorar. Segundo a Curseria, a estimativa é de que sejam 5 mil alunos formados em 1 ano. Agora, outras duas virtudes da personalidade nipônica se revelam: gratidão e generosidade. “Hoje, sou muito grato por terem me chamado para fazer esse trabalho. Dividir meus conhecimentos com gente do Brasil inteiro tem sido uma experiência fascinante e prazerosa”, afirma. “E pensar que eu tinha medo disso.”

No curso, Sakamoto ensina desde coisas básicas a processos mais elaborados. Nas aulas desse mestre da gastronomia japonesa, há temas como o jeito certo de escolher o nori (folhas feitas de alga marinha desidratada), forma de preparo do wasabi, peixes que nunca devem ser usados para não estragar o sushi e que temperos utilizar para aprimorar o sabor das receitas. (leia quadro abaixo). Ele dá dicas até dos pratos e cerâmicas mais indicados para a apresentação e das bebidas certas para acompanhar cada refeição. Os vídeos são claros e didáticos. Difícil imaginar que o professor em ação não curtia a ideia de compartilhar seus conhecimentos. Os alunos aprendem tudo isso e muitas outras coisas. Eles só não ficam sabendo da melhor parte da história: o sujeito que está do outro lado da tela do celular, do computador ou da TV tem uma bela trajetória de vida, recheada de desafios e superações.

CHAMADO DE BURRO Nascido em São Paulo, Sakamoto é filho de pais japoneses, que vieram para o Brasil em 1955 e se instalaram em Presidente Prudente, interior de São Paulo. Filho de um agrônomo e de uma dona de casa, o garoto cresceu numa cidade tranquila, brincando na rua, de esconde-esconde, de bola. Sempre estudou em escola pública. O pai produzia melão e uva, que vendia na feira. A vida nos trópicos não era fácil. Em 1970, a família voltou ao Japão. “Eu tinha apenas 5 anos. Achei que a gente estava indo apenas para passear. Só muitos anos mais tarde, fiquei sabendo que a ideia dos meus pais era voltar para o Japão de vez”, conta. A temporada na Ásia durou apenas 3 meses, até que a família decidiu retornar ao Brasil. Foi quando o pai montou uma fábrica de fertilizantes com dois amigos e as coisas começaram a melhorar.

O pequeno Sakamoto, porém, dava dor de cabeça. É que o menino nunca foi muito bem na escola. “Tenho distúrbio de atenção e um pouco de dislexia. Até hoje, tenho dificuldade para me concentrar em algo”, diz. “Ler um livro, por exemplo, é muito complicado para mim.” Por isso, tirava notas baixas e repetiu algumas vezes de ano. No colégio, era chamado de burro. Por outro lado, sempre foi muito esforçado e interessado em ter o próprio dinheiro. Afinal, o pai nunca deu mesada aos filhos – Sakamoto tem um irmão e uma irmã. Já adolescente, costumava aproveitar as férias escolares para fazer bicos e ganhar uns trocados. Descarregava caminhões num laticínio, levava compras para madames na feira, vendia bombom. O que importava era faturar algum. Pouco depois, foi convocado para servir ao Exército Brasileiro, contra sua vontade. Então, tudo mudou. “Amadureci muito. Eu entrei no Exército um moleque e saí um homem”, lembra.

No ambiente militar, ele aprendeu a ter disciplina, a trabalhar em equipe e a ter responsabilidades. Apesar de considerar a experiência muito importante e positiva, pulou fora assim que acabou o período obrigatório. Assim que saiu do Exército, decidiu realizar o sonho de conhecer Nova York. Pegou o pouco dinheiro que tinha economizado durante a breve vida militar juntou com uma grana emprestada de um amigo e se mandou para a Big Apple. Foram apenas 3 meses por lá, período que mudaria sua vida para sempre.

Em Nova York, Sakamoto trabalhou como ajudante de cozinha num restaurante japonês. Limpava peixe, camarão, verduras. Não chegou a cozinhar nada. Nem considerava essa possibilidade. Mas a experiência fez com que continuasse trabalhando em restaurantes quando voltou ao Brasil. Aos poucos, foi se interessando pela gastronomia, pesquisando sabores e ingredientes. Hoje, o garoto que era chamado de burro na escola é casado, pai de uma jovem de 19 anos e considerado o melhor sushiman do Brasil. Dono de três restaurantes, ele ainda dá aula para gente de todo o País. “Nunca pensei em virar sushiman. No princípio, fazia apenas para pagar minhas contas. E olha no que deu”, diz, com uma gargalhada contida. Esse pessoal de sangue japonês é, realmente, curioso.

Na sala de aula

Divulgação

Realizado pela Curseria (www.curseria.com), o curso “A Arte do Sushi” é ministrado em dez aulas e custa R$ 1.235, que podem ser pagos em doze parcelas. Os alunos recebem dez apostilas virtuais, que servem de material complementar, contendo receitas exclusivas criadas pelo chef Jun Sakamoto. Entre os ensinamentos passados, estão dicas sobre como montar uma bela apresentação, como escolher os peixes e os utensílios adequados para cada receita, macetes para deixar o arroz do sushi no ponto certo, como preparar seu próprio wasabi e que temperos utilizar em cada tipo de sushi para obter o máximo de sabor.  O curso é montado de forma a levar o aprendiz a entender melhor do assunto e evoluir a cada aula. Sendo assim, os dez módulos são A Arte do Sushi, Como comprar os ingredientes, Ingredientes e mise en place, Utensílios, Como manusear peixes, Como manusear peixes e frutos do mar, Base da gastronomia japonesa, Sushi, Sashimi e, por fim, Estética e Apresentação.

Rodízio rápido

Qual a principal virtude de um bom sushiman?
Paciência.

O que você gosta de cozinhar, além de comida japonesa?
Arroz carreteiro.

Qual o pior prato que já comeu na vida?
Qualquer comida pretensiosa, feita sem carinho.

Que prato universal você gostaria de ter criado?
Feijoada. Adoro feijoada.

Se não fosse chef, o que você gostaria de ser?
Arquiteto.

O que você assalta na geladeira, na madrugada?
Frios. Principalmente, mortadela e salame.

Qual o pior prato que você já criou?
Um peixe frito, que fiz pra Semana Santa, pensando muito mais na estética do que no sabor. Fiz comida pretensiosa.