A indicação do ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, André Mendonça, para o Supremo Tribunal Federal (STF) poderá ser um “problema” caso a religião se sobreponha à defesa da Constituição. A análise é do professor associado do Insper Diego Werneck, doutor em Direito pela Universidade Yale (EUA).

Na semana passada, o presidente Jair Bolsonaro anunciou sua escolha, cumprindo a promessa de optar por um nome “terrivelmente evangélico” para a Corte. Pastor da Igreja Presbiteriana Esperança, de Brasília, Mendonça, cuja indicação ainda precisa ser formalizada e depois aprovada pelo Senado, ocuparia a vaga do ministro Marco Aurélio Mello, que, aos 75 anos, deixa a Corte nesta segunda-feira, 12 – a aposentadoria foi publicada no Diário Oficial da União na sexta-feira. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estadão.

O “terrivelmente evangélico” conflita com o “notório saber jurídico”, uma condição para a indicação ao Supremo?

O ganho do presidente em querer incluir entre as características que ele está buscando a pessoa professar uma determinada fé religiosa não é um problema, não me parece um problema. Há outros episódios no Brasil em que presidentes sinalizaram que, numa determinada indicação, iam procurar pessoas que atendessem a certos requisitos identitários ou simbólicos. Isso não conflita com a Constituição, com notório saber, porque o fato é que o Supremo não é um órgão representativo da população, mas também é muito estranho que determinadas minorias não tenham presença no Supremo. O problema que o Bolsonaro sinaliza, da maneira como ele vem construindo isso, é que o mais importante para ele é que a pessoa se comprometa a defender posições ligadas a esse grupo, acima de qualquer coisa. Então pode ter notório saber, pode ter reputação ilibada, mas se você vai para o Supremo e se você colocar qualquer coisa acima da defesa da Constituição, inclusive religião, temos um problema.

A ligação próxima com o governo pode interferir em sua atuação na Corte, caso seja indicado e aprovado no Senado?

O Supremo é um tribunal em que há um desenho de independência. No sentido de que as pessoas permanecem no cargo independentemente de perderem a confiança ou desagradar quem as indicou. Para ser indicada, a pessoa sinaliza que tem posições que convergem com o que o governo precisa sobre determinado tema. Então, no fim, quem está na lista final de indicáveis já sinalizou que tem uma posição compatível com o que é fundamental para o governo nas pautas que já são conhecidas.

Ex-ministro da Justiça também na gestão Bolsonaro, André Mendonça virou alvo de críticas por usar a Lei de Segurança Nacional contra detratores do governo. A aplicação da lei foi alvo de ações no próprio STF. Ele pode enfrentar resistências na Corte?

Eu acho que ele não vai enfrentar resistência porque os ministros do Supremo não têm expressado horror à Lei de Segurança Nacional. O que sabemos sobre o André Mendonça é que ele tem uma visão absoluta das liberdades religiosas porque defendeu a tese de que nem se o Brasil estivesse em estado de guerra seria possível limitar a atividade presencial de celebrações religiosas. Então, nós sabemos que ele é capaz de posições absolutas sobre certos direitos. Agora, liberdade de expressão não é um deles. Sabemos que não é o forte do ministro André Mendonça. Deveria ser estranho que um ministro com essas preferências reveladas integre um tribunal cujo papel é ser um freio e contrapeso ao que os governos vão tentar fazer muitas vezes, que é impedir a crítica. Mas, por outro lado, é muito esquisito que você observe que o ministro Marco Aurélio, que é visto como esse campeão da liberdade de expressão no STF, fez elogios ao André Mendonça na sua última sessão. Acho que isso mostra que, no fundo, os ministros do Supremo não veem no André Mendonça alguém tão diferente deles assim.

André Mendonça possui um perfil diferente do indicado no ano passado, Kassio Nunes, que ocupou a vaga do ex-ministro Celso de Mello e tinha apoio do Centrão. O que o sr. acha que significa essa possível indicação para a articulação política do presidente Bolsonaro?

O Supremo funciona de um jeito que um ministro é uma legião. Você pode ter só uma vaga no Supremo, mas é um ministro que pode dar uma liminar monocrática sobre os temas mais explosivos da política nacional. Dá pra cada ministro, individualmente, ter poder de decisão e de veto muito grande. O ministro Nunes Marques já mudou a dinâmica do tribunal. Esse caso da liberação de cultos na pandemia, por exemplo, era um caso que, antes da indicação do ministro Nunes Marques, nenhum outro traria. Dois ministros em onze, para um governo que tem conflitos pendentes em curso com o Supremo, é bastante coisa. Tem outro ponto importante. André Mendonça parece ser alguém mais articulado do que Kassio Nunes Marques para construir eventuais maiorias ou coalizões. Ele traz essa experiência valiosa de ter sido AGU.

Se André Mendonça for efetivado é possível traçar um novo perfil do Supremo a partir dessa nova configuração de ministros e, com isso, prever possíveis posicionamentos nas votações?

Uma das questões que divide o Supremo, atualmente, é um pacote de questões relativas à utilização de instrumentos criminais para combate da corrupção, que vou chamar de “A questão Lava-Jato”, que não tem a ver só com casos passados, mas com casos futuros que ainda podem surgir. Essa é uma questão em que uma indicação ao Supremo faz muita diferença, porque o tribunal está dividido. Outra questão é a pauta de costumes – essa é mais fácil de prever. Esse tipo de discussão sempre vai aparecer, como igualdade de gênero, direito de minorias vulneráveis, desdobramentos que o tribunal já tomou sobre igualdade e orientação sexual e identidade de gênero. Acho que a posição do André Mendonça vai ser uma posição mais conservadora. Nesse sentido, a previsão do Bolsonaro vai se mostrar correta.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.