O cenário estava posto. Uma crise econômica sem precedentes. Um empresariado exausto dos privilégios de uma classe política e burocrata inoperante e caríssima. A chegada de novas maneiras de pensar e a busca por relações mais inclusivas e republicanas.

Não estamos falando do Brasil de 2021, mas da França de 1789. A Revolução Francesa, que deu origem ao mundo como o conhecemos, partiu da frustração com o privilégio e nasce com o conceito de que todos os homens são iguais. E se essa chaqualhada no velho continente ajudou a escrever a história política do mundo moderno, na economia a agitação foi tão caótica quanto produtiva. E nada disso aconteceu por acaso.

A face mais visível da Revolução Francesa foi a guilhotina. A menos visível foi a adoção do sistema métrico decimal e essa, sim transformou a economia, pois permitiu um princípio de globalização da ecomomia. E de tempos em tempos estruturas sociais consolidadas entram em ebulição, fenômeno conhecido na filosofia de Gilles Deleuze como “orgasmo social”. A motivação é econômica, e as consequências também. Embora muitas vezes as mudanças partam de baixo e sejam poderosas o suficiente para transformar a sociedade e a economia, em geral são os donos do dinheiro que definem o que vai acontecer, de modo a manterem sua posição social e econômica.

Avanço rápido da França do Século 18 para o Brasil do Século 21. O momento pede uma inflexão. A pandemia provocou problemas gravíssimos, mas piorou alguns que já existiam havia muito tempo. E a inabilidade do governo federal de tomar qualquer medida prática acrescentou uma pitada de drama ao enredo que se desenvolvia em um cenário cujo pano de fundo era um empresariado frustrado, uma população fragilizada e governantes e burocratas indiferentes.

Assim como a guilhotina da Praça da Bastilha, as filas para a vacina e as dolorosas cenas de funerais em série são a receita perfeita para forçar a sociedade brasileira a pensar em alternativas. E não estou falando em fogo e armas. Isso é muito século 18. Falo em entender o presente para se criar novos caminhos para o futuro.

Recentemente li o livro “Una breve historia de la igualdad”, ainda sem edição no Brasil, que foi escrito pelo francês Thomas Piketty, autor de “Os Mistérios do Capital”. Em linhas gerais a obra mostra que nem todas as revoluções são catastróficas ou envolvem golpes, mortes e Atos Institucionais. A queda da monarquia brasileira, à moda tupiniquim, foi uma revolução. Também teve afastamento da igreja da gestão da coisa pública e busca por laicidade do Estado. Também foi apoiada pelo empresariado. E também queria rever privilégios, mas não houve governante degolado no final do processo.

Agora, a pandemia veio a sublinhar a necessidade de mudanças profundas. “O mundo de hoje precisa de uma sociedade preocupada com o bem comum. Que a classe trabalhadora e os empresários se comprometam em achar soluções. É hora de repensar a concentração de renda e de privilégio – seja em governos democráticos, monarquias ou ditaduras”, escreveu Piketty. E, acredite, essa é uma visão otimista do futuro. O Brasil de hoje é melhor que o Brasil do 1889, assim como a França atual é melhor que a de 1789. Mas ainda há muito para evoluir. Não podemos aceitar, catatônicos, que o Congresso Nacional aprove R$ 16,2 bilhões em emendas parlamentares sem lastro. Não podemos aceitar que, em um Estado laico, o chefe de um dos Poderes fale em querer membros “terrivelmente evangélicos” no Supremo Tribunal Federal (STF), encarregado de guardar justamente a Constituição que garante a laicidade do Estado.

Não podemos aceitar que magistrados e congressistas acumulem privilégios e aposentadorias nababescas enquanto 25 milhões de brasileiros estão desempregados, desalentados ou subocupados. Não é possível que empréstimos públicos sejam destinados apenas aos amigos do rei, nem que o ministro da Economia fale em “deixar quebrar as pequenas” em alusão ao negócios de menor porte. É preciso cobrar um futuro melhor. E se ele não vier, a melhor guilhotina do século 21 é o voto.

Paula Cristina é editora de Economia da DINHEIRO