Em visita à sede do governo em Berlim, Abbas afirmou que Israel teria cometido “50 Holocaustos” contra palestinos. Chanceler alemão só condenou declaração mais tarde pelo Twitter, virando alvo de enxurrada de críticas.O chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, foi criticado por não ter reagido imediatamente a declarações feitas pelo presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, sobre o Holocausto durante uma visita a Berlim.

Em coletiva de imprensa ao lado de Scholz na terça-feira (16/08), Abbas condenou os frequentes ataques de Israel contra o território palestino, dizendo que os israelenses já teriam cometido “50 Holocaustos em 50 locais palestinos desde 1947”.

A declaração veio em resposta a um jornalista que perguntou se Abbas pediria desculpas a Israel, na ocasião do 50º aniversário do ataque à delegação israelense nos Jogos Olímpicos de Munique, em 1972. Naquele ano, a ação de um grupo terrorista palestino em solo alemão terminou com a morte de 11 atletas e treinadores israelenses.

Scholz não contestou a resposta de Abbas durante a coletiva de imprensa, que foi encerrada logo após o comentário do líder palestino de 87 anos. Somente mais tarde o chanceler expressou sua “indignação” com a fala, em postagem no Twitter.

“Estou indignado com as revoltantes declarações do presidente palestino Mahmoud Abbas. Em particular para nós, alemães, qualquer tentativa de relativizar a singularidade do Holocausto é intolerável e inaceitável. Condeno qualquer tentativa de negação dos crimes do Holocausto”, escreveu o líder alemão.

Reações

A fala de Abbas, bem como a reação tardia de Scholz, foi amplamente condenada por políticos da oposição e entidades judaicas na Alemanha e em Israel.

O líder do partido de oposição União Democrata Cristã (CDU), Friedrich Merz, chamou de “incompreensível” a forma como Scholz tratou o incidente. Para ele, o chefe de governo deveria ter “contrariado claramente” o presidente da ANP.

O ex-líder da CDU Armin Laschet, por sua vez, qualificou a declaração de Abbas como “a pior gafe já ouvida na Chancelaria Federal”.

O presidente do memorial do Holocausto Yad Vashem em Jerusalém, Dani Dayan, classificou como deploráveis as palavras do líder palestino, mas sublinhou que o governo alemão deveria ter “respondido adequadamente a esse comportamento imperdoável em plena Chancelaria Federal”.

“Tais declarações não podem deixar de ser rebatidas”, criticou o presidente do Conselho Central de Judeus da Alemanha, Josef Schuster. “É um escândalo que a relativização do Holocausto, especialmente na Alemanha, durante uma coletiva de imprensa dentro da Chancelaria Federal, não seja contestada.”

O vice-presidente do Comitê Internacional de Auschwitz, Christopher Heubner, condenou Abbas por “usar deliberadamente a arena política para difamar a cultura da memória alemã e as relações com o Estado de Israel. Com sua comparação vergonhosa e inapropriada, Abbas tenta novamente fomentar agressões anti-Israel e antissemitas na Alemanha e na Europa”, afirmou.

Mas ele também não poupou críticas ao governo alemão. “É espantoso e desconcertante que a parte alemã não esteja preparada para as provocações de Abbas, e que suas declarações sobre o Holocausto não sejam contestadas.”

“Um chanceler alemão reage com sete linhas em um tuíte ao que seria, provavelmente, uma das mais calculadas quebras de tabu que um presidente já se permitiu cometer dentro da Chancelaria em Berlim”, criticou o portal de notícias Tagesschau, da emissora pública ARD. “O chanceler estava a dois metros de distância [de Abbas]. Sua expressão era ilegível. Nenhuma.”

“Falta de sensibilidade”

O primeiro-ministro israelense, Yair Lapid, condenou a fala do presidente palestino. “Mahmoud Abbas acusar Israel de ter cometido '50 Holocaustos' enquanto permanece em solo alemão não é somente uma desgraça moral, mas também uma mentira monstruosa”, escreveu o premiê no Twitter.

“Seis milhões de judeus foram assassinados no Holocausto, incluindo 1,5 milhão de crianças. A história jamais o perdoará.” Lapid é filho de um sobrevivente do Holocausto.

O novo embaixador alemão em Israel e ex-porta-voz do governo, Steffen Seibert, classificou a fala de Abbas como “equivocada e inaceitável”. “A Alemanha jamais irá tolerar qualquer tentativa de negar o caráter único dos crimes do Holocausto”, afirmou, em nota.

O comissário federal antissemitismo do governo alemão, Felix Klein, disse que as declarações demonstraram “falta de sensibilidade em relação aos anfitriões alemães”. Segundo ele, Abbas, dessa forma, “não contribui para a legitimação dos interesses palestinos”.

A ex-chanceler federal Angela Merkel também condenou “nos termos mais fortes” a fala de Abbas. Em comunicado, ela afirmou ser “inaceitável a tentativa de relativizar a singularidade dos crimes cometidos na Alemanha pelo Nacional-Socialismo […] ou de colocar o Estado de Israel, direta ou indiretamente, no mesmo nível da Alemanha sob o nazismo”. “A Alemanha jamais vai tolerar tais tentativas”, reiterou.

Histórico de controvérsias

Abbas acumula uma série de declarações polêmicas sobre o Holocausto. Em 2018, ele afirmou que os judeus não haviam sofrido historicamente por causa de sua religião, mas por terem sido banqueiros e credores.

O líder palestino disse que os judeus que viviam na Europa sofreram massacres “a cada dez a 15 anos em algum país desde o século 11 até o Holocausto”.

“Dizem que o ódio contra os judeus não foi por causa de sua religião, foi por causa de sua função social. Então, a questão judaica que se espalhou contra os judeus em toda a Europa não foi por causa de sua religião, mas por causa de agiotagem e dos bancos”, afirmou Abbas na época. Dias depois, ele se desculpou pelas declarações antissemitas.

Abbas obteve um doutorado em História no Instituto de Orientalismo de Moscou, em 1982, na então União Soviética. Sua dissertação, intitulada A relação secreta entre o nazismo e o movimento sionista, atraiu críticas generalizadas de grupos judaicos, que o acusaram de negação do Holocausto.

Em 2014, ele se defendeu das acusações de ser antissemita ao afirmar que o Holocausto foi “o pior crime da história moderna”.

rc (Reuters, AP, ots)