O governo Jair Bolsonaro abandonou as metas de testagem da população durante a pandemia, estratégia essencial para o controle da transmissão da covid-19. A ideia era superar 24 milhões de exames RT-PCR até dezembro de 2020, mas menos de 12 milhões de análises foram feitas no Sistema Único de Saúde (SUS) durante toda a crise sanitária. A pasta descumpre também uma promessa de compra de produtos mais ágeis, como os testes de antígeno, e dos insumos para laboratórios.

Em plena explosão de casos, o número de testes feitos no SUS não subiu. Em semanas recentes, até ficou abaixo do que se fez antes. Há ainda em armazém do Ministério da Saúde cerca de 3,7 milhões de exames que vencem entre o fim de abril e o começo de junho. Trata-se do estoque revelado pelo Estadão, que o governo tentou reduzir com doações ao Haiti e a hospitais brasileiros, recusadas justamente pela data de validade.

Com a saída do Ministério da Saúde, o general Eduardo Pazuello deixa como herança números bem abaixo do esperado. Quando assumiu a pasta, em maio do ano passado, ele era tratado como um “especialista em logística”. Sob sua gestão, o ministério planejava alcançar 115 mil testes RT-PCR diários, mas a média nos primeiros seis dias de março foi de 30 mil testes. O ritmo é inferior ao alcançado em janeiro (57,26 mil), apesar do avanço na pandemia.

Mais indicado para o diagnóstico, esse tipo de exame – que detecta o vírus ativo – utiliza um cotonete “swab” para coleta de amostras do nariz e faringe dos pacientes. A análise é feita em laboratório e exige insumos como reagentes para extração do RNA. Na rede privada, costuma custar mais de R$ 250.

Enquanto o ritmo de exames na rede pública continua abaixo do esperado, disparam análises em farmácias. Segundo dados da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), foram realizados nesses locais 313,75 mil testes rápidos de anticorpos só na primeira semana de março – um recorde e 51% maior que o dos sete dias anteriores. Esse tipo de teste não é recomendado para diagnóstico da doença, pois não detecta o vírus ativo e custa ao menos R$ 100 na rede privada.

Além de permitir o diagnóstico, a estratégia de testagem é vital para controle da pandemia, segundo especialistas. “Países que têm sucesso no controle da transmissão unem medidas de saúde pública, como suspensão de atividades não essenciais e lockdown, com testagem e monitoramento de contatos”, disse ao Estadão, no começo do mês, o sanitarista brasileiro Jarbas Barbosa, vice-diretor da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas).

“A estratégia tem efeito individual positivo, porque identifica cada caso e permite fazer a recomendação adequada: ‘Fique em casa, não vá trabalhar, não tenha contato com a família, etc’. Além disso, quando monitoramos e testamos contatos daquela pessoa, acabamos cortando cadeias de transmissão do vírus”, completa Barbosa.

O ministério informou ao Estadão que “não é possível afirmar o motivo de redução de demanda” por testes RT-PCR no SUS. Segundo a pasta, uma hipótese é o atraso no registro dos dados. “Pode-se aventar a possibilidade de que o município esteja utilizando outras metodologias laboratoriais para encerrar os casos, como teste rápido de antígeno, RT-LAMP e teste rápido de anticorpo, que não são realizados na Rede Nacional de Laboratórios de Saúde Pública”, declarou a Saúde.

O governo apostou nos exames no começo da pandemia, antes de abraçar a cloroquina e outros medicamentos sem eficácia. Em abril de 2020, o ministro Paulo Guedes prometeu trazer 40 milhões de testes rápidos ao País. A Saúde prometeu a entrega célere desses exames, mas afirma que ainda discute preços e prazo de entrega.

Procurado pela reportagem, o ministério afirmou que “mantém a meta” de testes, apesar de originalmente ela ter sido traçada até dezembro. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.