Maior companhia latino-americana de serviços de alimentação com capital 100% nacional, a Sapore quer crescer transformando cada um de seus setores em uma nova empresa. E está disposta a pagar até R$ 3 milhões por quem traga soluções disruptivas para o negócio

Com 1,3 milhão de refeições servidas todos os dias para 900 clientes, vários deles do porte de Ambev. Volkswagen e Magazine Luiza, a brasileira Sapore, fundada em 1992 por Daniel Mendez em Campinas (SP), deverá superar os R$ 2 bilhões de faturamento este ano. Depois de focar na oferta de alimentação mais saudável para estudantes com a marca Dez, lançada em 2017, a empresa agora vive sua transformação digital, com investimentos em startups e a busca de soluções mais eficientes para seus processos — o que inclui o uso de novas tecnologias também para combater o desperdício de alimentos. Mas seu maior esforço é para se recriar continuamente.

DINHEIRO – O que levou a Sapore a deixar de pensar apenas no negócio de alimentação para atuar como uma empresa baseada em tecnologia?

DANIEL MENDEZ – A gente acredita muito que o digital pode movimentar o nosso mercado. O setor de alimentação passou um bom tempo sem grandes mudanças. Até que a entrada de novos players, caso de iFood, Uber Eats e Glovo, trouxe um outro tipo de abordagem, a partir da captura dos dados dos clientes. Isso faz com que o negócio deles seja mais baseado em tecnologia do que propriamente em alimentação. A partir desse movimento passamos a enxergar que o nosso futuro poderia estar nessa direção. Até porque somos precursores do uso de tecnologia no nosso setor. Há 15 anos introduzimos os alimentos processados — e até hoje somos a única empresa de refeições que desenvolveu essa tecnologia. Também contratamos uma consultoria para melhorar os indicadores de performance de produtividade, o que tornou nossa operação, em média, 20% mais produtiva que a dos nossos maiores competidores, que são multinacionais.

DINHEIRO – De que forma o investimento em startups pode melhorar o negócio da Sapore?

MENDEZ – A primeira empresa de tecnologia na qual nós investimos foi a LinkApi, que eu conheci através do meu filho. Eles nos trouxeram uma solução para integrar todos os nossos sistemas de informática de uma forma muito mais amigável. Quando eu vi o quanto essa mudança na área de TI estava agilizando o funcionamento da empresa, decidi fazer novos aportes em outras quatro ou cinco startups. Trouxemos o próprio Thiago Lima, que é o CEO da LinkApi, para ser conselheiro da Sapore. Ele não chega a ter 30 anos. Isso tudo promoveu uma transformação. Claro que temos conselheiros mais velhos também, mas contar com alguém que é 100% da área de tecnologia é algo que tem feito com que nosso caminhar seja melhor e mais seguro. Hoje somos um dos mantenedores do Cubo [maior centro de empreendedorismo tecnológico da América Latina, idealizado em 2015 pelo Itaú em parceria com a Redpoint].

DINHEIRO – Qual o critério de escolha para investir em uma startup?

MENDEZ – Todas as empresas foram escolhidas de acordo com seu potencial de acelerar o crescimento da Sapore. Além da tecnologia, essas empresas têm um olhar inovador sobre o comportamento dos negócios. Elas nos trazem muito aprendizado. Em breve, eu credito, trarão mudanças significativas na própria gestão da companhia. Temos a crença de que todos os nossos setores poderão em breve se tornar novas empresas, atuando como fornecedores para a Sapore e para o mercado, incluindo nossos competidores.

DINHEIRO – Como isso vem ocorrendo na prática?

MENDEZ – Nosso trabalho está voltado para que a Sapore forneça escala para que essas startups cresçam, ao mesmo tempo em que viabilizem a transformação em novos negócios das unidades da empresa com as quais trabalham em conjunto. Um bom exemplo é o Unifacilities Sapore. Como o próprio nome sugere, atua no segmento de facilities [segurança, limpeza, jardinagem]. Ela trabalha em sinergia administrativa com a Sapore, mas com operações distintas e supervisores independentes.

DINHEIRO – Há outros exemplos?

MENDEZ – A CMV, que atua na área de tecnologia voltada para compras e que não é nossa, mas da qual somos investidores, e a Global 10, uma distribuidora. Há várias outras que chegam até nós com o propósito de firmar parcerias e que estamos analisando. Se trouxerem mais receita para a Sapore, podemos nos tornar investidores. Desde que elas tenham crescimento médio nos últimos 12 meses maior que 7%, receita de R$ 100 mil a R$ 500 mil por mês e capacidade de escalonar através da tecnologia. O nosso tíquete de compra é de R$ 1 milhão a R$ 3 milhões.

DINHEIRO – Além do aporte financeiro, o que mais a Sapore pode entregar a essas empresas?

MENDEZ – A nossa inteligência. Somos uma empresa com uma história de 27 anos, 17 mil colaboradores, faturamento de R$ 2 bilhões por ano. A ideia que nós tínhamos anteriormente era nos tornarmos donos das startups. Hoje o que nós queremos é o compartilhamento. E isso tem mudado o mindset da empresa. Nossa visão é entender o que precisamos e qual a melhor solução que pode ser oferecida. Na área de TI, por exemplo, não é por querermos ser digitais que vamos precisar de Inteligência Artificial ou blockchain. Esses recursos precisam servir a algo na empresa. Devem entrar como ferramentas. Criamos um forte laço entre as áreas de RH e TI para atrair lideranças que tenham uma visão transformadora para a empresa. Quando avaliamos um novo projeto pensamos em quanto ele irá trazer e em quanto tempo. Hoje nossas reuniões são muito mais objetivas. E os resultados já têm aparecido.

DINHEIRO – De que forma é possível transformar uma empresa desse tamanho?

MENDEZ – Não adianta olhar para fora e achar que é lá que está a solução, acreditando que as mudanças ocorrem de fora para dentro. No nosso caso, elas sempre ocorrem a partir de dentro da empresa. Algo que ilustra bem isso é a Escola Sapore, que hoje está se transformando na SIA, sigla em inglês para Service Intelligence Academy (Academia de Serviços Inteligentes). Com nosso parceiro estratégico, poderemos oferecer até o terceiro grau por meio do Ensino a Distância. Isso ajuda muito na performance da companhia. A experiência com a Escola Sapore, depois de 5 milhões de horas de treinamento interno, foi criar uma nova empresa, paralela, que pode ou não continuar fazendo parte da Sapore. Estamos sempre em busca do melhor serviço com o melhor custo.

DINHEIRO – Então, em vez de terceirizar os serviços, o que vocês fazem é apoiar empresas que ajudem a Sapore a se desenvolver…

MENDEZ – É exatamente essa a nossa visão. Tanto que os nossos departamentos tradicionais já estão com a missão de se tornar empresas. Isso está ocorrendo neste momento na área de compras. Nosso negócio está muito mais em cuidar do cliente e dar para ele as melhores condições, inclusive de custo. Se você tem uma estrutura muito pesada, não consegue reduzir o custo. Ao virar empresa, cada setor passa a contar com um resultado que não é só da Sapore. Não se trata apenas de deixar a empresa mais leve, mas também de capturar no mercado o que há de mais novo naquela área de atuação. Eu achei que estava sendo inovador nisso, mas acabo de falar com um fornecedor nosso, de equipamentos, que está fazendo a mesma coisa na Itália. Isso dá foco e permite avaliar melhor os resultados de cada área, que passa a investir no que é bom para ela, não só para a Sapore.

DINHEIRO – Para melhorar a gestão é preciso entender quais os desafios que cabem à área…

MENDEZ – Claro. Uma pessoa que é responsável por 6 mil refeições não pode ser submetida às mesmas metas de uma pessoa que responde por 100 refeições. É preciso desafiar as pessoas dentro do seu próprio ecossistema e da sua capacidade. Estamos trabalhando com empresas que têm esse mesmo mindset, caso de Cubo, WeWork… fizemos proposta para a Vitacon. Estamos querendo fazer as coisas de um jeito diferente.

DINHEIRO – Mudar o modelo mental depende mais de trazer pessoas de fora ou de desafiar quem está dentro?

MENDEZ – A gente fala sempre disso. Como fazer da própria Sapore um laboratório? Mas definitivamente não temos a solução. Eu não imaginava que seria investidor de um percentual de uma empresa de tecnologia. Minha mãe sempre me dizia um provérbio espanhol segundo o qual é preferível ser “cabeza de ratón que rabo de león”. Eu fui criado em uma visão de que era preciso ter o controle. Hoje entendo que é preciso compartilhá-lo. Temos conseguido índices adequados de crescimento, estamos melhores que nossos concorrentes em muitos aspectos, mas precisamos seguir inovando. Anos atrás fizeram uma reportagem comigo na IstoÉ DINHEIRO com o título “O rei das quentinhas”. Eu fiquei bravo, porque não fazia nenhuma quentinha naquela época e achava o termo pejorativo. Hoje eu acharia ótimo, porque uma das coisas mais interessantes no nosso setor foi a marmita. Ela permite uma alimentação personalizada, com o que você quer, dentro das suas características. O que algum tempo atrás me chateou, hoje me deixaria muito satisfeito.

DINHEIRO – As pessoas estão buscando se alimentar de maneira mais saudável. Como isso interfere no negócio de alimentação nas empresas?

MENDEZ – Cada vez mais a gente acredita na questão do DNA. A dieta precisa ser adequada ao que cada um necessita. A alimentação é fundamental para dar qualidade de vida às pessoas, não apenas no longo prazo, em termos de promover a longevidade, mas para deixar as pessoas bem preparadas para as atividades do dia-a-dia. Por isso nosso crescimento tem sido tão grande nas escolas. Existia uma demanda por comida saudável da parte dos estudantes que o nosso segmento não sabia atender. Agora temos opções de cardápios inteiros sem sal e sem açúcar refinados. É possível mudar paradigmas. Sabemos que crianças saem da escola e vão comer hambúrguer na lanchonete. Então montamos hamburguerias dentro das escolas. Dá para fazer 100% saudável? Não, mas eu prefiro que o estudante coma lá dentro do que fora, pois ali a segurança alimentar está garantida. E usamos produtos adequados.

DINHEIRO – O que é possível fazer para reduzir o desperdício quando se serve 1,3 milhão de refeições por dia?

MENDEZ – Nós temos uma série de estudos para lidar com o desperdício de alimentos, que ainda é muito grande, embora tenha diminuído em relação ao passado. Na produção das cozinhas já houve muito ganho, não apenas de ingredientes como de água, energia e até de pessoas. O nosso grande problema — e não apenas nosso, mas do mundo — é o que sobra nos balcões, onde as pessoas se servem. O que trabalhamos com muita força agora é evitar que vá para o lixo o que já foi produzido e servido, mas não consumido.

DINHEIRO – De que forma a tecnologia pode ajudar nesse processo?

MENDEZ – A tecnologia pode nos ensinar como o cliente come, o que ele come e porque ele desiste de comer algo que desejava. Existe um caminho disruptivo aí e nós já estamos nele. São 40 mil refeições jogadas fora, que poderiam alimentar 40 mil pessoas. Em breve vamos poder mostrar resultados consistentes nesse sentido.