A concentração bancária, a aprovação das reformas, em especial a da Previdência, a autonomia do Banco Central e a criação de uma cultura de empreendedores estão na mira do economista Roberto Campos Neto, novo presidente da autoridade monetária. Sabatinado por quase quatro horas por senadores na terça-feira 26, ele mostrou firmeza, segurança e deixou claro que dará continuidade à atuação de Ilan Goldfajn, com “cautela, serenidade e perseverança” na condução da política monetária. O discurso é música aos ouvidos do mercado. Em 50 anos de BC, Campos Neto será o primeiro presidente a assumir com a casa bem arrumada na questão monetária, uma estabilidade inédita. A taxa Selic tem sido mantida na mínima história de 6,50% desde 21 de março de 2018. E com o novo comandante, agora confirmado no cargo, não deve se alterar.

“A estabilidade fiscal é fundamental para a redução das incertezas, o aumento da confiança e do investimento, e o consequente crescimento da economia no longo prazo”

Muito próximo do superministro Paulo Guedes, o jovem executivo é neto do economista Roberto Campos, que foi ministro no governo Castelo Branco e um dos expoentes do pensamento liberal no Brasil. Guedes e Neto se conheceram por intermédio do avô, quando Neto ainda era um menino. Indicado para o cargo após a confirmação do resultado eleitoral, ele acumula, aos 49 anos, um currículo invejável. Formado em Economia pela Universidade da Califórnia, possui especialização em Economia com ênfase em Finanças pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Iniciou sua carreira como operador de derivativos, juros e ações no Bozano Simonsen, depois comprado pelo Santander. No banco espanhol, chefiou a área de renda fixa internacional e, em 2010, tornou-se diretor, além de membro do Conselho Executivo do Santander Investment no Brasil.

“Participei de estudos sobre blockchain e ativos digitais.
Uma das contribuições que espero trazer para o Banco Central é preparar a instituição para o mercado futuro, em que as tecnologias avançam de forma exponencial, gerando transformações mais acelerada”

Carioca, ele é apontado por colegas de trabalho como uma pessoa determinada, flexível, habilidosa e com o dom de construir bons relacionamentos. Em sua primeira aparição no novo cargo, deixou uma boa impressão. “Ele finalmente deu o recado de continuidade de trabalho que mercado estava precisando”, afirma Simone Pasianotto, economista-chefe da gestora de recursos Reag. Em sua avaliação, apenas Campos Neto e Sérgio Moro parecem ter entendido seu papel institucional. Diante dos senadores, o novo presidente defendeu a redução do tamanho do Estado e avaliou que o sistema bancário não é mais concentrado do que em outras economias desenvolvidas. “É necessário que o Estado abra espaço para a atividade privada, saindo de cena, ou reduzindo drasticamente sua atuação, em diversas áreas”, afirmou.

“É hora de fazer mais com menos recursos.
É necessário eficiência, transparência,
prestação de contas e mensuração de impacto
quanto ao uso de recursos públicos”

Demonstrando segurança, explicou aos senadores sobre os projetos que preveem a fixação de critérios para o cargo de dirigente em instituições financeiras públicas e o da independência do BC. Se aprovada pelo Congresso, a mudança “trará ganhos para a credibilidade da instituição e para a potência da política monetária, reduzindo o tradeoff (escolhas) de curto prazo entre inflação e atividade econômica e contribuindo para a queda das taxas de juros e o crescimento econômico”. Questionado a respeito do baixo crescimento, mesmo com a Selic estacionada, Neto disse ser preciso focar na estabilidade dos preços para que o país possa crescer. “Nos países onde se sacrificou inflação por crescimento, a expansão durou pouco e depois houve recessão. Isso aconteceu também no Brasil.”

“É necessário que o Estado abra espaço para a atividade privada, saindo de cena, ou reduzindo drasticamente sua atuação, em diversas áreas”

O processo de retomada passa pela aprovação da reforma da Previdência, um tema essencial para reduzir as incertezas, o aumento da confiança e do investimento, destacou o novo presidente. “Já passamos por hiperinflação, fizemos o Plano Real e, só agora, conseguimos a manutenção de juros em patamar historicamente baixo”, afirma Nicola Tingas, consultor econômico da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), que classificou como aderente a postura do novo comandante do BC. “Ele está muito correto”.

“Agora que temos a Selic em seu mínimo histórico de 6,5% a.a. por quase um ano, temos a oportunidade de perceber melhor essas imperfeições e de propor políticas alternativas que melhorem a eficiência de nossos mercados”

O uso de novas tecnologias foi também uma forma de contrapor as críticas sobre a baixa concorrência. Para dar passos maiores, Neto acredita que o BC precisa estar inserido em tecnologias como blockchain, inteligência artificial, pagamentos instantâneos e open banking. “O maior instrumento democratizante do século está aqui (mostrou o celular), a tecnologia.” Atento à realidade do país, afirmou ainda que os programas de microcrédito e o estímulo ao cooperativismo são instrumentos interessantes. Lembrando os motes do atual governo, Neto acredita que é hora de fazer mais com menos. “É necessário eficiência, transparência, prestação de contas e mensuração de impacto quanto ao uso de recursos públicos”. Se isso se traduzir em taxas de juros menores, o Brasil agradece.