Lá vem Samuel Klein. Camisa esporte de mangas curtas ? as listradas, de preferência ?, calça preta, de brim, e um par de confortáveis sandálias nos pés. As sandálias são mais do que merecidas. Ele já caminhou muito para chegar no topo do varejo. Começou sua saga empresarial como mascate, conduzindo uma charrete e vendendo colchões, cobertores e toalhas de mesa. Hoje é dono da Casas Bahia, império que reúne 323 lojas e não pára de crescer. Em 2001, foram 28 novas lojas. Até o final deste ano, terão sido 20, com investimentos de R$ 20 milhões. Na semana passada, Klein inaugurou uma loja de 2,8 mil metros quadrados no bairro de Jardim Ângela, um dos mais violentos da periferia de São Paulo (sinal de que não há obstáculos para a expansão da empresa). Disseram que esta era a maior de toda a rede. ?Espere só para ver a que vou abrir em Interlagos?, corrige o empresário. Neste instante, Klein coloca os óculos de aros grossos, abre a agenda e anuncia: ?Na semana que vem, vamos abrir outro ponto. Daqui a 15 dias, tem mais duas unidades. E no próximo ano serão outras 25. As coisas vão bem?. E como. A Casas Bahia vem crescendo em média 12% ao ano, enquanto concorrentes como o Ponto Frio não passam dos 4%. Foram estas conquistas que deram a Samuel Klein o título de Empreendedor do Ano no Comércio. Ele transformou a Casas Bahia no símbolo de resistência de um setor que viu antigos ícones como Mappin, Mesbla, G. Aronson e Casa Centro desmoronarem da noite para o dia. Os que sobraram, como Arapuã, lutam para sair da concordata.

?Qual o segredo, sr. Klein??. Ele respira fundo, abre um sorriso e solta uma de suas tantas máximas: ?Eu sei fazer conta. Compro por 100 e vendo por 200, sempre parcelado?. Em outras palavras, ele negocia arduamente com os fornecedores e coloca na etiqueta dos produtos um preço que, em vezes, cabe certinho no bolso de seu principal consumidor: as classes C, D e E.

 

Crediário. Mais de noventa por cento das vendas de móveis e eletrodomésticos são feitas pelo sistema de crediário, em 6 ou 8 vezes sem juros ou até em 11 vezes com juros variáveis de 3,5% a 4%. ?Nossa carteira tem dez milhões de consumidores, dos quais seis milhões são compradores habituais. Isso é quase o dobro da população do Uruguai?, festeja Michel. Um dos segredos da empresa, tão simples como o seu próprio dono, é fazer com que os boletos sejam pagos na própria loja. Isto faz com que o consumidor volte várias vezes à rede. Eis o sistema de fidelidade na versão Klein. Os serviços também seduzem o cliente. Recentemente, a empresa perdoou todos aqueles que interromperam o pagamento de carnês até 1997. Trouxe de volta milhares de consumidores. Criou ainda, durante alguns meses deste ano, uma espécie de seguro desemprego para a compra de eletrodomésticos. Caso o consumidor perdesse o emprego, a rede arcava com as primeiras seis parcelas. O limite de compras para a aquisição de produtos sem comprovação de renda também foi alterado, passando de R$ 400 para R$ 600. A medida foi instituída porque 50% das pessoas que compram na Casas Bahia vêm do mercado informal e não possuem carteira assinada. O resultado foi instantâneo. Na primeira grande data do varejo neste ano, o Dia das Mães, a rede aumentou em 25% o seu volume de vendas se comparado a igual período de 2001. ?A Casas Bahia pode não ter os melhores preços do mercado, mas tem as melhores condições para o consumidor de baixa renda?, afirma o consultor Marcos Gouvêa de Souza, da GS & MD Consultoria . ?Eles criaram um sistema imbatível de análise e concessão de crédito.? Hoje, a taxa de inadimplência da rede é de 8,5%. A do setor bate nos 20%.

 

Samuel Klein não gosta de entrar em bancos. Tampouco contrai dívidas em dólar. Sua política é a do auto-financiamento, de reinvestir parte do lucro em expansão e no crediário. ?Gosto desta independência?, diz. A regra vale não só para os assuntos financeiros mas em qualquer departamento da empresa. Um exemplo? Não faltam propostas de companhias especializadas em logística para assumir a distribuição e o estoque das Casas Bahia. Klein
preferiu montar dois gigantescos armazéns, um em
Jundiaí (SP) e outro no Rio de Janeiro. O de Jundiaí, com 170 mil metros quadrados de área em um terreno de 900 mil metros quadrados, é considerado o segundo maior depósito do mundo. Só perde para o da Coca-Cola, em Atlanta. É responsável por 80% das operações da rede. Para realizar as entregas, Klein mantém uma frota própria de 870 veículos, sendo 87 carretas. ?Sabe por que eu não adoto a terceirização? Por que não admito que o entregador chegue na casa de um cliente mal arrumado ou que seja estabanado a ponto de causar danos à residência do consumidor?, explica. ?Se isto ocorrer com um funcionário meu, o cliente tem como reclamar.? O segundo ponto é que a família prefere economizar os custos embutidos no serviço prestado e acredita que, com uma frota própria, acaba tendo mais agilidade.

 

Samuel tem uma visão muito particular de gerenciamento. Não gosta de aventuras, dá de ombros para cartilhas de administração e gere seu negócio segundo o próprio instinto. Certa vez lhe perguntaram porque ele não arriscaria montar uma empresa de comércio eletrônico, como fez, por exemplo, a Lojas Americanas. Ele sorriu e devolveu: ?Meu cliente não tem nem telefone?. Assim é Klein. E seus filhos Michel e Saúl, diretor administrativo e diretor comercial, seguem a risca a cartilha criada pelo pai. Obviamente, os herdeiros fazem os ajustes necessários à modernização da rede. Uma grande conquista dos filhos foi convencer o empresário a apostar alto em divulgação. Hoje, a rede investe 3% do faturamento em campanhas publicitárias. É uma das maiores anunciantes do País. Também era necessário interligar as lojas, depósitos e escritório central e Klein abriu uma exceção: já que não podia criar uma empresa de computador buscou uma das melhores do mercado, a IBM. Tornou-se um dos principais clientes da Big Blue na América Latina. ?Eles gostam de mim?, diz o empresário enquanto mostra um objeto de ouro, misto de relógio, bússola e termômetro, que ganhou para colocar em seu iate, ancorado em Angra dos Reis. ?Presente de Donn Atkins?. Atkins é um dos principais executivos da IBM nos EUA.

 

O jeito simples, as frases
sem rodeios, a fórmula de administrar à moda antiga. Tudo isto transformou Samuel Klein num dos maiores empreendedores do País. Hoje, com o auxílio dos filhos Saúl e Michel, ele pode se dar ao luxo de trabalhar de segunda a quarta-feira ? ?para ver as contas? ? e descansar os outros quatro dias da semana. No final da tarde de todas as quartas-feiras ele embarca com a esposa Ana no helicóptero da família em direção a Angra dos Reis. ?Lá eu entro no meu iate e esqueço do mundo?, confessa. ?Depois volto revigorado. Tenho milhões de pessoas para atender.?

Foi assim, mirando o público de menor poder aquisitivo, facilitando o pagamento e colocando nas prateleiras o que realmente o povão quer comprar que Samuel Klein, 79 anos completados no final de novembro, passou incólume pelas crises. ?Crise é coisa de rico?, avisa. Tem lá seu fundo de verdade. É só ver o movimento das lojas de seu Klein. Samuel agora está animadíssimo com a expansão para outros Estados. ?Há muito espaço para crescer no Rio e principalmente no interior de Minas Gerais?, conta o empresário. O alvo são cidades com população acima de 100 mil habitantes. Do contrário, Klein admite, nem compensa o investimento. É com essa fórmula que ele vem batendo recordes de receitas. ?Nossas vendas subiram 20% no primeiro semestre deste ano, atingindo R$ 2,1 bilhões?, diz Michel Klein, primogênito de Samuel e principal executivo do grupo. Como o próximo Natal deverá ser gordo, a Casas Bahia deve ultrapassar com folga os R$ 4 bilhões este ano. Em 2001, as vendas atingiram R$ 3,6 bilhões.