Muito errado está quem imagina que uma pandemia mortal é capaz de destruir todos os segmentos econômicos. Ainda que na soma geral das riquezas por meio do Produto Interno Bruto (PIB) a Covid-19 faça o Brasil retroceder cinco anos em termos de crescimento, alguns ramos de atividade conseguiram apresentar incremento de dois dígitos. Segundo o Ministério da Economia, o setores de mineração, agronegócio, serviços financeiros e logística ampliaram negócios e fecharão 2020 maiores que em 2019. Os dados, obtidos com o cruzamento de Notas Fiscais Eletrônicas, registro do uso de cartão de crédito e informações estaduais, mostram que fatores como a digitalização e a desvalorização do real foram decisivas para que o vírus não fosse capaz de debilitar todos os tipos de empresas.

O levantamento, que nasceu na pasta comandada por Paulo Guedes para ajudar os bancos públicos a realizar empréstimos, serviu também para elucidar quais segmentos ganharão participação no PIB deste ano. O maior salto foi em mineração, que registrou de abril a julho de 2020 faturamento 37,9% maior frente aos mesmos meses de 2019. E os dados vêm em linha com as maiores empresas do setor. A Vale, por exemplo, teve lucro líquido de R$ 15 bilhões no terceiro trimestre, mais que o dobro dos R$ 6,5 bilhões de um ano antes. Em teleconferência, Marcello Spinelli, diretor-executivo da Vale, afirmou que o destaque foi a demanda chinesa por minério de ferro. “A participação da venda para a China aumentou muito neste ano. É um efeito Covid.”

Com a desvalorização do real, a exportação tornou-se um excelente negócio também para os agricultores. Não é por menos que o agrobussiness ficou em segundo lugar na lista de Guedes. Para se ter uma ideia, com a flutuação dólar houve alta de 18% no faturamento das empresas. Entre os destaques está a exportação de soja, que segundo a consultora StoneX já tem a safra 2019/2020 toda negociada. Para a analista da consultoria Ana Luiza Lodi o câmbio favorável e o aumento externo da demanda foram decisivos. No ramo da pecuária o resultado também foi bom e bateu 10%.No ambiente interno, os destaques ficaram por conta das mudanças de costumes que vieram com os ventos da pandemia. O principal deles passa pela digitalização de boa parte de comércio e serviços, o que exigiu reforço logístico para entrega de produtos. Para Gustavo Freitas, diretor da Ground Logistics, a demanda por transporte no Brasil cresceu quase 40%. “Foi surpreendente”, disse. A empresa, que atua na região Sul do País, precisou tirar parte da frota da Argentina para atender o mercado brasileiro. “Elevamos em 15% o número de funcionários e vamos crescer 20% este ano.” Na média do Ministério da Economia, o setor cresceu 15% no período da pandemia.

Mateus Bonomi

“Não poderíamos descapitalizar os bancos públicos porque eles são importante vetor da retomada econômica” Paulo Guedes Ministro da Economia.

Diz-se que faça chuva ou faça sol na economia os bancos sempre estarão bem. E tem sido assim durante a pandemia. Com crescimento médio de 14% até aqui, as instituições financeiras aproveitaram a digitalização para crescer. Houve também alta dos serviços de investimento, em função da baixa rentabilidade da poupança. Entre os bancos públicos, Guedes explicou que houve uma força tarefa do governo para manter o ritmo de liberação de crédito. “Não podíamos descapitalizar os bancos. eles são importantes vetores da retomada.”

NEM TUDO SÃO FLORES Na outra ponta, os maiores perdedores foram as atividades artísticas, transporte de passageiros e hotéis e restaurantes. No Rio de Janeiro, cartão postal do turismo brasileiro, a pandemia causou prejuízo de R$ 720 milhões, segundo o Fórum dos Operadores Hoteleiros do Brasil (Fohb). Na área artística, as perdas com show ultrapassam R$ 500 milhões, segundo o Data SIM 2020. Entre o prejuízo e a estabilidade estão os supermercadistas. Atravessando os primeiros meses da pandemia com apoio do auxílio emergencial, o fim do benefício do governo pode atingir a categoria. Para João Sanzovo Neto, presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), a retomada gradual da economia pode mitigar os efeitos negativos do fim do benefício. Com esse cenário estável para alguns, devastador para muitos e promissor para poucos, Guedes tenta fazer com que os R$ 20 bilhões anunciados de crédito para empresas, cheguem, efetivamente, nas mais sufocadas.