Pode-se dizer que a velha máxima “menos é mais”, tese que defende que as coisas simples são melhores que as complexas, é antagônica ao fenômeno “mais é menos”, que deve ocorrer com o salário mínimo no ano que vem. Com a inflação oficial, o IPCA, próximo a 7%, o piso em 2022 terá o maior reajuste desde 2016, para R$ 1.177. Mas o poder de compra provavelmente será achatado, já que os preços, especialmente de energia, alimentos e transporte, continuam subindo e puxando o IPCA. Ou seja, quem for ao supermercado com um salário mínimo no bolso deve levar menos coisas para casa em 2022.

O governo federal tem de enviar até 31 deste mês o Projeto de Lei Orçamentária Anual, apresentando a segunda estimativa de reajuste. A primeira, mandada ao Legislativo com o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias fazia uma projeção de alta de 4,3%, que elevaria o salário de R$ 1.100 para R$ 1.147. A última projeção feita pelo ministro Paulo Guedes, em 14 de julho, era reajuste de 6,2%. Para o economista José Silvestre Prado, coordenador do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o País carece de uma política de valorização do salário mínimo de longo prazo. “Hoje, 50 milhões de pessoas têm rendimento referenciado no salário mínimo”, afirmou. “Muitos críticos dizem que um aumento real impacta nas contas públicas já muito debilitadas, mas é preciso também ver o impacto positivo, de injeção de dinheiro na economia, de arrecadação de tributos e do poder de compra das pessoas.”

Pelos cálculos do Dieese, o mínimo atual (R$ 1.100) tem o menor poder de compra para a cesta básica em 15 anos. Com o custo atual da cesta (R$ 696,71) o piso salarial equivale a 1,58 vez cada cesta básica. Em 2011, essa relação era de 2,03 cestas, e chegou a 2,16 em 2017. Segundo instituto, o valor necessário para sustentar com dignidade um lar com quatro pessoas deveria ser R$ 5.304,90.

Para a economista Marilane Teixeira, da Unicamp, o valor estimado para o salário mínimo ajudará no empobrecimento da população. Segundo ela, o governo tenta gastar menos para cobrir outras despesas. Na quarta-feira (4), o presidente Jair Bolsonaro anunciou o Auxílio Brasil com valor 50% superior ao Bolsa Família, e disse que Guedes anunciaria os outros 50% de aumento.

Na avaliação do economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), a inflação tem afetado de maneiras diferentes as classes sociais, visto que o mais importante no orçamento doméstico já não é quanto se ganha, mas quanto se gasta com itens essenciais, como alimentos. Em 2020, os alimentos responderam por 60% do IPCA. Ele afirma queapesar de alguns deles já terem ficado relativamente mais baratos, como o feijão, a cesta ainda é um desafio, principalmente quando se fala de carnes e leite. “Além de não terem cedido de preço, essas categorias podem subir mais em razão da crise hídrica e da ocorrência de geadas, que prejudicam a produção agrícola.”

INFLAÇÃO Outros fatores devem conduzir a capacidade do poder de compra do salário em 2022 é a evolução dos preços da energia elétrica, combustíveis e o botijão de gás, que ao longo de 2021 tiveram um alta acima do esperada pelo próprio governo. Com o aumento da Selic (que na última semana subiu 1 ponto percentual, para 5,25%) é possível que a inflação tenha um comportamento mais controlado no ano que vem. Vale lembrar que, entre produtos que têm maior peso na composição do IPCA, as maiores disparadas nos preços nos últimos 12 meses (até o balanço divulgado em junho) foram contabilizadas entre os combustíveis (47,5%), principalmente a gasolina (45,8%) e as carnes (38%), com destaque para o músculo bovino (44,5%). Agora, com o repasse da inflação, como manda a Constituição, o salário mínimo terá menos valor.

STF E SOCIEDADE CIVIL VERSUS BOLSONARO

Suamy Beydoun

Fim da hibernada. A Justiça, que sempre foi cega e andava bastante surda, resolveu agir. Depois de Bolsonaro promover na quinta-feira (29 de julho) sua live-Filme B (péssimo roteiro, péssimas sequências, personagem charlatão e nenhuma lógica narrativa), em que apresentaria provas de fraudes nas urnas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu abrir um inquérito para apurar as falas presidenciais. Além disso, enviou notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal (STF) para que o militar que ocupa o Planalto seja investigado no inquérito das fake news. O cerco pode complicar a vida do presidente nas eleições de 2022. Para alguns bruxos da política, trata-se de criar uma narrativa de “perseguição” e “roubo” diante da alta probabilidade de apanhar muito de Lula nas urnas. Uma espécie de fuga pela direita. Por essa análise, Bolsonaro continuará a bater. Por isso, na terça-feira (3) dirigiu sua boca giratória a Luís Roberto Barroso, ministro do STF e que preside o TSE, dizendo que ele “presta um desserviço à nação cooptando gente dentro do Supremo e do TSE”. Na quarta (4), elevou ainda mais a temperatura. Para atacar o ministro do STF Alexandre de Moraes, que atendendo o pedido do TSE incluiu Bolsonaro no inquérito das fake news, disse que poderá “jogar com armas fora da Constituição”. A frase é a de maior gravidade da história da República. E se enquadra como crime. Seu tiro saiu pela culatra. Na quinta-feira (5), foi publicado o manifesto Eleições Serão Respeitadas, assinado por mais de 250 artistas, intelectuais, economistas, religiosos e empresários – entre eles Guilherme Leal (Natura), Horácio Lafer Piva (Klabin), Luiza Trajano (Magazine Luiza), Pedro Parente (BRF e ex-presidente da Petrobras) e Roberto Setúbal (Itaú). O texto afirma que há confiança no sistema de votação eletrônica e que “a sociedade brasileira é garantidora da Constituição e não aceitará aventuras autoritárias”. (Edson Rossi)