Recentemente, em um evento com jovens, o ex-presidente Lula afirmou que não tinha tempo a perder. Que tinha sede de continuar se movimentando, mudando e transformando a realidade do Brasil. Mas esse ímpeto do petista (que nos jovens geralmente é movido pelo córtex pré-frontal não totalmente desenvolvido) termina no discurso. Lula sabe que precisa ser cirúrgico em suas escolhas e cauteloso com suas palavras, principalmente quando o assunto é economia. Tema bastante sensível nesta eleição, a apresentação de uma agenda econômica que convença tanto a população quanto o mercado tem exigido do ex-presidente uma capacidade política e de articulação ainda maior do que aquela representada em sua “Carta ao Povo Brasileiro”, enviada antes da sua eleição em 2002.

E esses passos pensados de Lula têm sido bastante eficientes para mapear em quais pedacinhos do mapa podem estourar mina. Com uma estratégia de lançar ideias e ver qual a reação do mercado e das pessoas, ele vai sentindo onde tem mais ou menos espaço. Nas últimas semanas, os relatórios de bancos e consultorias financeiras têm buscado entender melhor quem é Gabriel Galípolo, economista de 39 anos que tem aparecido em eventos do PT e tem bom diálogo com o mercado. Nem Lula nem seus colegas de partido confirmam a aproximação, mas o mercado já faz suas avaliações. O economista-chefe de uma das maiores corretoras de investimento do Brasil disse à reportagem ter recebido bem o nome de Galípolo. “Sendo ou não sendo ele, sentimos que há um movimento interessante dentro do PT. Um diálogo mais aberto.”

Mas ainda que Galípolo pareça ser bem recebido no mercado, o economista que carrega em seu currículo a coautoria de livros como Manda Quem Pode, Obedece Quem Tem Prejuízo e A Escassez Na Abundância Capitalista (ambos assinados em parceria com Luiz Gonzaga Beluzzo), deve passar por algumas provações dentro e fora do partido, em especial quando confrontado sobre temas como estabilização dos preços dos combustíveis, importância do teto de gastos e reforma administrativa. Com passagens pelo Banco Fator e pesquisador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais e conselheiro da Fiesp Galípolo tem falado sobre o potencial de uma economia com capacidade de reação com ajuda do Estado, com preocupação com o bom andamento das contas públicas. O mundo ideal na teoria.

Ricardo StuckertPISANDO EM OVOS Ao soltar informações e sentir como reage o mercado, Lula tem desenhado sua campanha. (Crédito:Ricardo Stuckert )

Se para fora o discurso funciona, dentro do PT ainda há um caminho. Em almoço recente com empresários, Guido Mantega se disse a pessoa que mais está ciente das ambições econômicas de Lula e que, até aquele momento, o ex-presidente buscava alguém “dentro de casa”. Como exemplo, citou como potenciais nomes o governador da Bahia, Rui Costa (PT), o governador de Pernambuco ,Paulo Câmara (PSB), o também petista Wellington Dias que já foi governador do Piauí e Camilo Santana (PT), ex-governador do Ceará.

Com tantos nomes na mesa, o fato é que Lula já entendeu que precisará dar mais que uma carta à nação. Se antes o discurso era de revogação de todas as reformas aprovadas desde Temer, agora a palavra é revisão. Antônio Côrrea de Lacerda, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia Política da PUC-SP e um dos conselheiros do ex-presidente, diz ser necessário revisitar tudo que foi feito nos últimos anos e entender o que ajudou e o que prejudicou o trabalhador e a economia.

Emanuel Araújo Pilares, consultor político que esteve com a Dilma Rousseff em 2010, diz que a pauta econômica será um grande trunfo de Lula. “Mas ele tem que lembrar que em 2002 o Fernando Henrique Cardoso deixou a casa minimante arrumada”, disse. O fato é que quando Lula assumiu havia uma moeda estável, contas públicas com uma trajetória sob controle e a previsão de crescimento do PIB com abertura de novos mercados. Mas 20 anos depois disso o cenário é outro. A casa está revirada. E Lula precisará oferecer a urgência e a pressa de mudanças que disse ter aos jovens, ao mesmo tempo que administra com a cautela de alguém que já tem o córtex pré-frontal em franco funcionamento.