A cidade de Nova Amsterdam foi fundada em 1624 por colonos vindos da Holanda. Poucos anos após seu estabelecimento, os sempre práticos holandeses já se reuniam para fazer negócios. As transações ocorriam à sombra de uma árvore localizada ao lado de um muro construído para conter os ataques dos índios algonquinos, habitantes originais da Ilha de Manhattan. Só isso mostra que, apesar de ter sido fundada mais de um século e meio depois, em 17 de maio de 1792, a Bolsa de Nova York (New York Stock Exchange, Nyse) é uma instituição bastante tradicional. Porém, no que depender dos executivos da Nyse, essa imagem vai mudar um pouquinho. A meta é atrair companhias do setor de tecnologia, que em geral listam suas ações na concorrente Nasdaq. “E vamos aumentar a diversidade, indo além das empresas americanas e chinesas”, disse o diretor de Mercados de Capital Internacionais da Nyse, Alex Ibrahim em entrevista à DINHEIRO.

Os números mostram isso. Em 2019, primeiro ano em que a Nyse colocou essa estratégia em prática, o total captado por 15 empresas de tecnologia em aberturas de capital movimentou US$ 5,5 bilhões. No ano seguinte, com atividades comprometidas devido à pandemia, foram realizados também 15 Initial Public Offerings (IPOs). No entanto, o volume de recursos mais do que dobrou, para US$ 13 bilhões. E em 2021 foram 50 lançamentos, movimentando US$ 41,2 bilhões. O número de países cresceu. E a lista agora inclui companhias brasileiras, como o Nubank. Ibrahim não revela as projeções para 2022, mas reconhece que está mais otimista para os números esperados para 2023.

DIVERSIFICAÇÃO GLOBAL Para Alex Ibrahim, diretor de Mercados de Capital Internacionais da Nyse, Sudeste Asiático e Brasil são as regiões mais promissoras para atrair empresas de tecnologia. (Crédito:Courtney Crow)

“A região mais promissora é o Sudeste Asiático, com empresas de Cingapura, da Indonésia, do Vietnã e da Malásia”, disse ele. A justificativa é o perfil das populações. Muitos jovens, afeitos à tecnologia e usando cada vez mais aplicativos de celular. “O perfil dos usuários de aplicativos é muito parecido com o do Brasil”, afirmou o executivo. Que, não por acaso, é o segundo mercado mais promissor aos olhos dos executivos da Nyse.

Um bom exemplo é a abertura de capital do Nubank, realizada em dezembro de 2021. A companhia que nasceu a partir de cartões de crédito roxos, descolados e sem tarifas, é um banco. “Não temos ‘bank’ no nosso nome por acaso”, disse David Velez, um dos fundadores, logo nos primórdios da empresa. Porém, a decisão de listar os papéis em Wall Street foi devido ao fato de a fintech ser vista mais como “tech” do que como uma empresa financeira. “O mercado americano é muito mais diversificado que o brasileiro e há muito mais investidores para empresas de tecnologia, com foco no crescimento”, disse o fundador da gestora de recursos focada em tecnologia Catarina Capital, Thiago Lobão. “Lá fora é muito mais fácil encontrar interessados em empresas que prometem um crescimento expressivo, mas que ainda não são lucrativas para remunerar o capital.

CHAMA BANCO MAS É TECH Abertura de capital do Nubank, no fim de 2021: empresa do setor financeiro atraiu investidores focados em tecnologia. (Crédito: AP Photo/Richard Drew )

JUROS ALTOS As ações de empresas de tecnologia vêm amargando baixas sucessivas em suas cotações devido à alta dos juros e à perspectiva de endurecimento da política monetária nos Estados Unidos, posta em prática para conter a inflação americana, que está em seus maiores níveis em 40 anos. A redução das cotações, porém, não quer dizer que essas companhias se tornaram menos atrativas ou menos promissoras. É apenas a aplicação de uma fórmula matemática, disse o principal executivo de investimentos da Western Asset no Brasil, Paulo Clini. “O preço de uma ação em um determinado momento é uma indicação da expectativa dos resultados futuros da empresa, trazidos a valor presente”, disse ele. Esse “trazer a valor presente” parece complicado, mas é fácil de entender. Se o mercado calcular que uma empresa valerá US$ 100 bilhões em agosto de 2025, o preço da ação em 2022 será esses mesmos US$ 100 bilhões, divididos pela expectativa de juros e inflação previstos para os próximos três anos. Essa conta reduz um valor esperado para um valor “presente” (ou seja, no momento atual). “Quando os juros nos Estados Unidos sobem, o percentual de ‘desconto’ do preço da ação aumenta, o que reduz a cotação”, disse. Esse raciocínio vale para 100% das empresas listadas em bolsa. Porém, como as empresas de tecnologia são mais dependentes de capital abundante, o efeito em suas cotações é mais intenso do que a média. “Isso não quer dizer que as empresas de tecnologia pioraram”, afirmou Clini.

Ibrahim reconhece que a abordagem dos investidores mudou. Segundo ele, a estratégia até antes de os juros americanos começarem a subir era 100% focada no crescimento. Agora, há mais atenção para a última linha do balanço. “Se no passado o ‘growth’ era a palavra-chave, agora ela não é mais tão relevante, o investidor está cada vez mais atento para a parte da lucratividade”, disse ele. E se a empresa não der lucro? “Nesse caso, o investidor vai querer saber quanto tempo vai demorar para a empresa passar a lucrar, e qual o caminho para isso”, disse o executivo. “As estratégias estão mais seletivas.”